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Histórias do Mar

REPORTAGEM

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Achados restos do navio que levava ouro do garimpo mais famoso da História

Mohai Seattle Historical Society
Imagem: Mohai Seattle Historical Society

Colunista do UOL

24/12/2022 04h00

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Na tempestuosa noite de 4 de novembro de 1875, dois antigos barcos americanos (o navio a vapor de passageiros SS Pacific e o cargueiro à vela Orpheus) colidiram na costa do estado de Washington, gerando mais de 300 mortes e uma tentadora busca que durou até a semana passada.

Foi quando, quase um século e meio depois daquele acidente, a empresa americana de pesquisa e resgates submarinos Rockfish anunciou que, finalmente, havia encontrado o que tanto procurava: os restos do SS Pacific, um dos dois barcos envolvidos na tragédia, no qual viajavam, além de todas as vítimas, também um carregamento de ouro estimado em cerca de 5 milhões de dólares (mais de R$ 25 milhões), em dinheiro de hoje.

O ouro era dos passageiros

Uma parte do ouro que o velho vapor transportava naquela noite pertencia a um banco americano, que o estava transferindo da costa oeste dos Estados Unidos para Nova York.

Mas a maior parte do precioso metal estava diluído nas bagagens dos simples passageiros, a maioria garimpeiros que retornavam da Corrida do Ouro, que havia se estabelecido entre a costa leste do Canadá e o Alasca, na segunda metade do Século 19.

Nenhum dos garimpeiros sobreviveu ao naufrágio, nem jamais aquele ouro foi recuperado.

Só dois sobreviveram

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Imagem: Reprodução

Das 325 pessoas que havia a bordo do SS Pacific (talvez mais, porque, naquela época, crianças não eram computadas, já que não pagavam passagem, e passageiros clandestinos eram habituais nos grandes navios), apenas duas sobreviveram ao desastre: o passageiro Henry Jelly, um dos poucos que não era garimpeiro, e contramestre da embarcação, Neal O´Haly.

Mas, ao serem resgatados por outros barcos, um par de dias depois, em estado de choque e semimortos, eles pouco puderam revelar sobre o exato ponto onde ocorreu o naufrágio, o que tornou ainda mais difícil as buscas do então precário serviço de resgates marítimos - que, por isso mesmo, logo foi abandonado.

FOTO 2 TELA DE William Gay Yorke. - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Como o outro barco envolvido no acidente, o veleiro-cargueiro Orpheus, que nada sofreu na colisão e sequer parou para socorrer as vítimas do SS Pacific, também afundou horas depois, após encalhar em um banco de areia - felizmente, neste caso, sem vítimas -, as informações sobre o local do naufrágio do velho vapor se perderam no tempo.

Graças a um pedaço de carvão

Até que, em 2017, um grupo de obstinados pesquisadores de naufrágios, liderados pelos americanos Jeff Hummel e Matt McCauley, ambos da Rockfish, passaram a vasculhar a região, em busca de pistas dos restos do SS Pacific e sua preciosa carga perdida.

Tempos depois, um pescador local entregou aos pesquisadores um pequeno pedaço de carvão petrificado, que viera em sua rede, durante uma pescaria. Como os pesquisadores sabiam que, além do ouro, o velho vapor também transportava toneladas de carvão, material usado como combustível para suas caldeiras, a dedução foi que aquele pedacinho de material carbonizado poderia ter vindo dos escombros do SS Pacific.

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Imagem: northwestshipwreckalliance.org

2 milhões de dólares para achar o navio

Em seguida, os pesquisadores passaram a vasculhar, com a ajuda de robôs submarinos operados remotamente da superfície, mas capazes de produzir imagens do fundo do mar, a área do achado, que ficava a mais de 40 quilômetros da costa, na região do Estreito Juan de Fuca.

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Imagem: northwestshipwreckalliance.org

A busca, complexa e cara, exigiu 12 expedições ao local e perto de 2 milhões de dólares em despesas, até que, na semana passada, o sonar de um dos robôs capturou imagens de um objeto arredondado, no leito marinho, a mais de 300 metros de profundidade.

Era uma das duas rodas laterais de pás (antigo sistema de propulsão que antecedeu as hélices) do SS Pacific.

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Imagem: northwestshipwreckalliance.org

Os restos do navio repleto de ouro do garimpo mais famoso da História teriam sido, finalmente, encontrados.

Herdeiros terão direito ao ouro

Em seguida, veio o anuncio da descoberta.

Mas não sem antes a empresa que o encontrou conseguir na justiça o direito legal de exploração exclusiva do naufrágio, o que espera começar já nos próximos meses.

Mas com algumas ressalvas.

Uma delas é que boa parte do que for resgatado dos escombros do navio vá para um museu a ser criado, incluindo uma pequena parte do eventual ouro que for encontrado.

Outra, é que qualquer pessoa que consiga comprovar ser descendente de algum garimpeiro vitimado pelo afundamento do SS Pacific poderá pleitear uma parte do ouro recuperado, a título de herança, mesmo quase um século e meio depois da tragédia.

Isso nunca aconteceu antes na justiça americana, e deverá desencadear uma nova corrida em busca do ouro que o navio transportava.

Agora, entre os descendentes das vítimas do SS Pacific.

"Como viajar no tempo"

Mas, os pesquisadores da Rockfish garantem que, para eles, sob o ponto de vista histórico, tão importante quanto o ouro que sabidamente há no interior das bagagens dos passageiros do navio afundado são os demais objetos que serão resgatados do naufrágio - como utensílios pessoais, garrafas de bebida, pratos, talheres e equipamentos de navegação.

"Ninguém pode viajar no tempo, mas, ao recuperar itens de um velho naufrágio, é possível quase isso, porque os objetos revelam como era a vida naquela época", disse o porta voz da Rockfish, Phil Drew, ao fazer o anuncio da semana passada, desconversando sobre o principal objetivo da empreitada, que é, obviamente, o ouro que o SS Pacific transportava.

Pior tragédia da região até hoje

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Imagem: northwestshipwreckalliance.org

O naufrágio do SS Pacific é considerado, até hoje, a pior tragédia da parte norte da costa oeste americana, e um dos mais eloquentes exemplos de negligência da história marítima dos Estados Unidos - porque envolveu falhas e procedimentos absurdos por parte dos comandantes dos dois barcos envolvidos.

Por um lado, o capitão do veleiro Orpheu, que cruzou a frente do outro barco pensando se tratar de um farol, sequer parou para socorrer as vítimas do SS Pacific, que sofreu bem mais na colisão.

Por outro, o próprio comandante do navio sinistrado dera um show de imprudências ao navegar à noite sem luzes de direção (recurso que, através de diferentes cores para cada lado do casco, permite aos demais barcos saber em qual sentido ele está indo), com uma tripulação inexperiente e mal preparada, e, acima de tudo, com parte dos seus botes salva-vidas cheios de água, a fim de melhorar a estabilidade do casco, o que impediu que eles fossem usados para evacuar os passageiros no instante do naufrágio.

O resultado foi uma tragédia de proporções catastróficas e um polêmico inquérito, cujas conclusões podem ser conferidas clicando aqui.

Mas hoje, 147 anos depois, o que importa mesmo é tentar recuperar o que está nos escombros do navio, no fundo do mar.
Especialmente o ouro que os seus infelizes passageiros levavam para casa, mas jamais puderam usar.