Já li todos os livros de Dan Brown. Tenho total ciência de que ele está longe de ser uma “alta literatura”. Suas histórias, ainda que salpicadas de alguma pesquisa de contexto histórico-político e recheadas de teorias da conspiração, são em geral rasas. Como bem definiu nosso amigo William Spengler, “literatura fast-food”. Nada excepcional, mas longe de me agredir.

Pelo contrário: seus capítulos curtos, cenas de ação com boas descrições e um ou outro plot twist acabam por prender o leitor. Robert Langdon, o mais renomado simbologista (!) do mundo, é seu protagonista predileto. Já se envolveu numa polêmica transição papal; na busca moderna pelo Santo Graal (livro, aliás, que deu a fama global a Brown); e nas entranhas da sociedade maçônica norte-americana (eu acho – este livro é bem qualquer coisa…). Ainda que seja um personagem com algum apelo, nunca foi plenamente desenvolvido, por demais raso.

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O Símbolo Boring

Na verdade, suas histórias seguem exatamente a mesma fórmula: Langdon se vê, por acaso, envolvido em alguma trama conspiratória de uma sociedade secreta (que contrata algum vilão super-poderoso) e tem que correr para resolver enigmas intricados que giram em torno de figuras clássicas do medievo/renascença – e há alguma reviravolta interessante no fim Até que Inferno foi lançado.

A história do livro (e do filme) não difere muito desta fórmula. Mas é um tanto mais densa. Os personagens – mocinhos e vilões – tem um desenvolvimento além da segunda camada. Na verdade, Brown pega sua fórmula já consagrada e aos poucos vai quebrando aqui e ali. Mas é nesse momento que eu paro de falar sobre o desenvolvimento do livro e falo sobre sua temática principal.

Inferno se passa quase todo na Itália, em Florença, cidade de Dante Alighieri. Brown estabelece uma interessante analogia entre a obra que consagrou o poeta italiano – que, nas palavras de Brown, “definiu o que os católicos entendem como o ‘inferno bíblico'” – e o futuro do planeta terra ante o aumento exponencial da população humana.  Para um dos personagens da trama, a população humana age como um vírus, se multiplicando e consumindo recursos até a inviabilidade da vida.

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Não, não é ele.

Essa discussão está longe de ser nova. Como aprendemos com a tia Cocota de geografia, o inglês Thomas Malthus já apontava, no fim do século XVIII, que o descompasso entre o crescimento exponencial da população e o crescimento aritmético da produção de alimentos levaria a um cenário de catástrofe, em que a população forçosamente cairia por conta de guerras, epidemias ou fome em massa (e não entro aqui, neste texto, nas muitas críticas potenciais deste pensamento). Desde então, diversos outros economistas e cientistas políticos beberam da fonte de Malthus para explicar situações de escassez de alimentos/recursos naturais vis-a-vis uma situação de aumento do seu uso/consumo.

Uma parte considerável do movimento ambientalista, por exemplo, é essencialmente neomalthusiano. O movimento do Dia da Sobrecarga da Terra, liderado pelo WWF, e os Limites do Planeta, do Stockholm Resilience Centre são aplicações práticas deste conceito. Resumidamente: como imaginar um cenário de quase 10 bilhões de pessoas em 2050 vivendo bem e dentro dos limites planetários?

Claro que Dan Brown não entra a fundo neste debate em seu livro (e menos ainda no filme). A conclusão deste personagem de sua história o leva a pensamentos extremos de controle populacional forçado, o que vira o mote principal da nova ‘caçada’ de Langdon. Mas as implicações deste pensamento têm muito poder. O próprio Malthus colocava que uma das soluções que evitaria seus cenários catastróficos poderia ser o controle da natalidade (pela abstinência ou de forma forçada). Oras, o país mais populoso do mundo teve três décadas de política estatal de controle da natalidade exatamente nesta direção – e com resultados expressivos no intento, dado que a curva de crescimento chinês teve brusca queda (assim como outras consequências maléficas ao país, como o aumento da taxa de dependência, diminuição da população feminina e diminuição da força de trabalho)

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Taxa de aumento natural da população chinesa. Note a sensível queda a partir de 1985 (a Política de Um Filho é de 1980).

O ponto que mais me chamou a atenção no livro de Brown, além da esperta analogia com o Inferno de Dante, é estar antenado com um debate real e que preocupa e preocupará ao longo de todo século XXI as maiores lideranças globais. Nunca fomos tantos. E nunca consumimos tanto. Como equilibrar essa equação?

A solução que Brown dá no livro é, claro, alegórica, extrema e irreal – mas corajosa e, de certa forma, dentro da lógica proposta em suas história. Lembro que, ao acabar de ler o livro, veio a mente a antiga e verdadeira expressão: “não há bala de prata”. Não há solução fácil para um problema complexo. E esse é um dos problemas mais complexos que essa geração irá enfrentar – seja pela depleção de recursos, seja pelos muitos debates de aumento desigual da população, envelhecimento, fluxo migratório etc. Espero estarmos à altura deste desafio.