A guerra da Rússia contra a Ucrânia acentuou o gargalo na logística causado pela pandemia de Covid-19, elevando os preços dos fretes marítimos, os custos de aquisição de navios novos e provocando escassez de contêineres no mundo. Diante da situação, empresas de transporte marítimo estão estendendo a vida útil de embarcações por dois anos e de contêineres por até três anos, investindo na manutenção dos equipamentos.

LEIA TAMBÉM: O peso da logística nos custos de produção de fruticultores brasileiros

Navio transporta contêineres para exportação (Foto: Mapa/Divulgação)

Navio transporta contêineres para exportação. Gargalo na logística está levando à extensão da vida útil de equipamentos (Foto: Mapa/Divulgação)

“Os armadores estão estendendo a vida útil ao máximo, porque os novos navios novos vão demorar três anos para sair do estaleiro. O problema dos navios velhos é a manutenção, que é cara, além do consumo alto de combustível”, diz Leandro Barreto, sócio-diretor da Solve Shipping Intelligence. “E eles estão estendendo porque o frete está remunerando bem.”

A Globo Rural confirmou esses planos com Carlos Rocha, gerente da Gestão de Frota da Aliança Navegação e Logística, empresa que faz parte do grupo Maersk, um dos maiores operadores de navios do mundo. “Acredito que é uma estratégia inteligente sim nesse momento, porque não sabemos quanto tempo vai durar esse momento.

O momento eu diria é ruim para compra, mas bom para a venda. Eu acho que fazer estratégia consciente de estender esse período por um ou dois anos é bastante factível e racional”, afirma.

O preço dos navios disparou. As embarcações com capacidade para transportar 15 mil contêineres de 20 pés estão na faixa de preço de US$ 100 a US$ 110 milhões, já navios de 20 a 24 mil contêineres estão em cerca de US$ 150 milhões. Os aumentos recentes em função da corrida aos estaleiros são da ordem de 35% a 50%. Um navio tem vida útil estimada em 20 anos.

A cada cinco anos, a embarcação precisa fazer uma docagem a seco para uma revisão completa. Segundo Rocha, o custo do navio está muito alto, ao contrário de oito anos atrás, quando os armadores estavam se desfazendo dos navios com até dez anos de vida. A frota da Maersk é de 700 navios, dos quais 400 são próprios. Destas, 8 são usadas pela Aliança na navegação de cabotagem no Brasil, levando produtos do sul até o norte do País.

Um navio demora de 9 a 12 meses para ser construídos, principalmente em estaleiros da China, Coréia e Japão, que lideram a atividade no mundo, após anos de supremacia da Europa até a década de 1980. Há oito anos, lembra Carlos Rocha, os fretes eram baixíssimos, na faixa dos US$ 120 por contêineres em transporte entre a China e o Brasil,. Atualmente, está em US$ 12 mil.

"Os armadores estão estendendo a vida útil ao máximo, porque os navios novos vão demorar três anos para sair do estaleiro. O problema dos navios velhos é a manutenção, que é cara, além do consumo alto de combustível""

Leandro Barreto, sócio diretor da Solve Shipping Intelligence

“O fato é que o navio está caro e estamos avaliando se vale a pena estender a vida útil. É obvio que os armadores que já tinham planos de trocar navios certamente vão reconsiderar. Mas isso só dá certo se vier com estratégia. Estender a vida útil sem estratégia leva a risco muito grande de começar a ter quebra de navio e quebra da confiabilidade da empresa e problemas financeiros, o cliente não vai querer navio quebrando”, diz. “Quando ele nasce tem perspectiva de vida útil de 20 anos. Estender por um ano ou dois não é nada impossível, nada que você não veja até fora desse momento.”

É preciso avaliar o investimento para trocar equipamentos embarcados, que precisam ser atualizados. Mas a tecnologia que o motor utiliza é também extremamente importante, pois define não apenas o gasto com combustível, mas também o nível de emissão de gás carbônico. E, segundo o executivo, os armadores devem colocar nos mares navios movidos à metanol e amônia para reduzir a poluição.

“A eficiência energética e a descarbonização são questões importantes não apenas pela imagem da empresa, mas por questões regulatórias. Se o navio não tem performance, tem vida difícil nos portos. Isso é muito considerado hoje em dia mais do que nunca, o quanto ele polui. Se eu correr esse risco, tenho que fazer investimento gigantesco, que não vale a pena (estender a vida do navio), ou troco o navio”, explica.

Segundo Rocha, há uma meta de, até 2030, todos os navios utilizarem combustíveis alternativos. “Alguns usam gás natural, outros estão indo para amônia. Não é necessariamente mais barato que o petróleo, como o metanol. Eventualmente vai ser mais barato (no futuro), mas o metanol é algo mais caro que o petróleo, mas é uma aposta no futuro. Todas as empresas sérias estão fazendo isso, porque retaliações vão ocorrer para quem não sair na posição de hidrocarboneto, isso vai ter um custo certamente.”

Sobre a estender a vida útil dos contêineres, Rocha explica que é uma situação já agravada com a pandemia de Covid-19, que fechou portos ao redor do mundo e reduziu o fluxo de comércio mundial. E esses problemas estão agora ainda pressionados por conta não apenas com a retomada do fluxo de comércio no fim da pandemia, mas também com a guerra na Ucrânia. A pandemia gerou um aumento de demanda, explica ele.

“O e-commerce bombou na pandemia. Os EUA começaram a consumir muito mais e aumentou a demanda por contêineres. E casou essa grande desruptura”, explica. E essa avaliação de quanto tempo pode ser ampliado o uso do contêiner depende da forma como ele é utilizado, podendo chegar a no máximo três anos. Os contêineres que transportam alimentos são conhecidos como “Premium”, pois devem seguir uma série de regras para se manter a higiene e a qualidade do transporte. “Esses contêineres vale a pena aplicar manutenção porque não vai ter outro para substituir. A extensão da vida é algo que vai acontecer nos próximos dois a três anos”, diz.

A Aliança transporta do Sul ao Norte produtos como arroz ensacado, pronto para venda no supermercado, e também big bags de arroz, feijão, açúcar; produtos enlatados como ervilha, palmito e milho; e muito fertilizante. ”80% do arroz que se consome no Norte é transportado em navio da Aliança”, diz. O transporte não é feito em graneleiro, explica ele, por causa das longas filas para carregar navios no Porto de Paranaguá, no Paraná.

Leia mais sobre infraestrutura e logística

Edeon Vaz Ferreira, presidente da Câmara Temática de Infraestrutura e Logística do Agronegócio do Ministério de Agricultura, avalia que essa iniciativa de prorrogar a vida de navios e contêineres está coerente, frente à complexidade da conjuntura atual. “Prorrogar a vida útil está certo, tem que reduzir custos. E isso passa por aproveitar melhor a vida útil dos equipamentos”, afirma. Segundo ele, o transporte de cabotagem não sofreu tantos problemas de logística quanto as viagens de longa distância das exportações.

“Estamos com problemas de rotas de navios e disponibilidade de contêineres sobretudo para o fumo, algodão e o café, que são segmentos que tiveram muita dificuldade no transporte desses produtos”, diz. “No inicio da pandemia tivemos quantidade enorme de navios parados na China. E, agora, está faltando navio. A frota mundial não é ainda adequada para esse movimento.”