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Por Elaine do Santos Alves; em Depoimento A Giulia Vidale


Os irmãos Ammy Lee, de 13 anos, e Andrew David, de 10 anos, sofrem de uma doença genética degenerativa. Agência O Globo — Foto:
Os irmãos Ammy Lee, de 13 anos, e Andrew David, de 10 anos, sofrem de uma doença genética degenerativa. Agência O Globo — Foto:

Engravidei da Ammy aos 17 anos. Não foi uma gestação planejada, mas aconteceu. Não foi uma gravidez tranquila. Eu estava sempre passando mal. Não conseguia me alimentar direito, cheguei a pesar 39 quilos. Nada parava no meu estômago. No dia que a Ammy nasceu, eu estava vomitando. Precisaram fazer uma cesárea de urgência. Ela não chorou quando nasceu. Eles simplesmente tiraram ela e levaram embora.

Nos primeiros meses de vida, a Ammy foi uma criança com desenvolvimento normal. Ela gostava muito de brincar com as mãozinhas. Mas quando fez seis meses, notei que havia algo errado. Ela já estava firmando a cabeça e começou a não firmar mais. Ela ficou molinha. Eu a levei na pediatra e a médica disse que era normal, que algumas crianças demoram mais para se desenvolver. Mas eu achava que tinha alguma coisa errada porque via o desenvolvimento de outras crianças da mesma idade que ela, mesmo com todos os exames normais.

Quando ela completou um ano, a Ammy foi encaminhada para a Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), onde ela começou a ser tratada como paralisia cerebral. Aos três aninhos, o neurologista notou que a cabeça dela estava um pouco avantajada. Fizemos o exame e ela foi diagnosticada com hidrocefalia. O médico disse que não sabia como a minha filha ainda estava viva e que seria necessário fazer uma cirurgia de urgência, senão morreria. Eu fiquei desesperada. Nesse momento eu estava grávida de sete meses do meu segundo bebê e tive que ficar sozinha no hospital porque só podia um acompanhante. A Ammy entrou na sala de cirurgia às 7h20 da manhã e saiu 10h20.

O médico me falou que em tantos anos de carreira, nunca tinha visto uma criança como ela. Todas as crianças que passam por esse tipo de cirurgia precisam ir para a UTI, mas a Ammy saiu bem. Ela já estava abrindo o olhinho, o que para ele, seria impossível. Ele me disse que a cabeça dela estava cheia de sangue e tinha uma pressão tão grande que, se demorasse mais, ela morreria. Na hora eu falei para ele: “O senhor acredita em milagres? Isso é Deus. Eu sabia que Deus ia trazer ela para mim”.

O parto do Andrew foi complicado. Ele estava com o cordão umbilical na cabeça e no pescoço. Precisaram fazer uma cesárea de urgência, mas deu tudo certo. Ele era uma criança muito ativa. Nem sabia engatinhar e já queria ficar em pé e sair andando. Quando ele completou seis meses nós decidimos nos mudar para Joinville, em Santa Catarina. Antes, morávamos em um sítio, em Ampére (PR) com meus sogros. E era bem difícil porque era longe de tudo. Meu marido saía para trabalhar e eu ficava sozinha, cuidando das crianças.

Quando chegamos na Apae de lá, a Ammy ainda era tratada como paralisia infantil, mas a médica achou estranho o diagnóstico porque o quadro não batia. O teste do pezinho e os exames de sangue estavam normais. Então ela começou a pesquisar mais fundo e suspeitou de alguma doença genética. Fizemos vários testes genéticos e não veio nada alterado. Quando a Ammy tinha quatro anos, a médica pediu o sequenciamento do exoma (um exame genético extremamente completo para que os cientistas possam localizar anomalias).

O Andrew foi uma criança normal por mais tempo que a Ammy. Ele tinha um ano e 18 dias quando o primeiro sintoma apareceu. Eu nunca mais esqueço dessa data. Ele brincou até quase meia noite e foi dormir. Ele não parava. Ficava correndo e brincando pela casa inteira. No dia seguinte, de manhã, eu achei estranho ele ainda estar dormindo às 8h da manhã, porque ele costumava acordar cedo. Mas achei que ele estava cansado porque tinha brincado muito. Quando acordou, ele estava mole. Não firmava muito as pernas e achei isso estranho. Dois dias depois, recebi uma visita das assistentes sociais da Apae, que ocorre periodicamente. Quando elas viram como ele estava, sugeriram marcar um atendimento para ele. E aí começou a batalha.

Eles passaram a ter convulsões. Elas começaram aos cinco anos de idade, nos dois. Depois veio a escoliose, na Ammy, que é tão grave que comprime os órgãos dela. As atrofias do pé e da mão, a parte da dentição, que é toda diferente. Eles não falam, não andam e usam sonda para se alimentar. Nós temos que mudar eles de um lado para o outro na cama ou na cadeira porque eles não conseguem se mover. Onde você deixa, eles ficam.

O diagnóstico certeiro veio quando eles tinham 10 e 7 anos no Laboratório Genetika, em Curitiba. Quando peguei o resultado do exame genético, eu fiquei bem esperançosa porque eu achei que isso colocaria um fim no sofrimento. Mas então o médico responsável, Salmo Raskin, me disse que estava diante de uma doença nova e que meus filhos eram os únicos casos documentados dessa mutação no Brasil e que existem poucos no mundo e nós ficamos sem chão porque tínhamos esperança de vê-los bem. Achávamos que teria alguma coisa, uma vacina ou medicamento, que pudesse estabilizar a doença e não os deixasse sofrer tanto. Mas ainda não tem nada. A doença em si não tem cura. (As crianças foram diagnosticadas com uma doença ultrarrara chamada distúrbio progressivo do neurodesenvolvimento por mutação no gene VPS4. Há apenas outros sete casos descritos no mundo).

A nossa luta é para que um dia isso aconteça. O que a gente sabe é que ela é degenerativa. A tendência é ir piorando. Não tem um prognóstico bom. A gente não sabe até quando os dois vão estar conosco. O médico disse "vocês vivam um dia de cada vez porque hoje eles podem estar com vocês, amanhã a gente não sabe". E é assim que a gente tem vivido. Um dia de cada vez e cuidando deles da melhor forma possível.

Como é algo novo, os médicos também estão aprendendo e buscando a melhor solução para deixar os dois bem. O tratamento é apenas paliativo, com remédio para dor e para controlar as convulsões. Há quase um ano eles tomam canabidiol e esse é o remédio que salvou meus filhos. A Ammy tinha 80 convulsões por dia. Ela se debatia e ficava toda roxa. Além disso, quanto mais convulsões, mais neurônios morrem. Então ela estava quase vegetando. Era muito triste. Hoje ela tem entre uma e três convulsões por dia. Em alguns dias, não tem nenhuma. O Andrew também chegou a ter 60 convulsões por dia. Eu sei que não é a cura, mas não tem explicação o quanto esse óleo salvou a vida dos dois. Além dos remédios, eles são atendidos por vários profissionais, tem ortopedista, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, etc.

Depois do diagnóstico, eu e meu marido fizemos exame e descobrimos que nós dois carregamos a mutação e passamos o gene mutado para a Ammy e o Andrew. É claro que se nós soubéssemos, não teríamos tido filhos. Mas como saberíamos que carregávamos essa falha genética se ninguém sabia que ela existia? Não pretendemos ter outros filhos. É muito sofrido, muito doído mesmo. Seria muito desgaste emocional também. Prefiro não arriscar.

Eu tive síndrome do pânico, entrei em depressão e precisei tomar remédio. Eu pensava como eu iria cuidar dos dois. Hoje eu ainda não estou 100%. Quem é mãe, mesmo de um filho saudável, não se conforma quando ele fica doente. Você pensa "onde eu errei?". Com um filho especial, você acaba se cobrando mais, mesmo que você não tenha culpa. Mas ainda fica aquela dor porque você quer ver o filho bem, correndo, chamando "mãe", "pai", indo na geladeira para comer alguma coisa. Ver seus filhos sem caminhar, sem poder fazer nada, se alimentando por uma sonda e tomando uma medicação que se eles ficarem sem, eles correm o risco de morrer, é difícil. É uma luta diária pela vida dos dois.

Hoje, eu e meu marido ficamos em casa em tempo integral. Ele largou o emprego em 2015, para me ajudar, porque é uma demanda muito grande. Precisamos trocar fralda, dar alimentação a cada três horas e água a cada meia horar. Se eles não estão bem, precisamos levá-los para o hospital e ele é o único que dirige. Ele é o meu braço esquerdo e direito. Somos só nós dois aqui em Santa Catarina. Nossa família mora no Paraná e viemos para cá por causa do tratamento das crianças.

Nós vivemos com a ajuda das pessoas e com bicos que meu marido faz. Ele é técnico de informática e trabalha em casa, arrumando computador. Além disso, as pessoas doam fralda e lenço umedecido, que as crianças precisam. Tem também quem faz doação via pix e de alimentos. Ainda estão nos ajudando a construir uma casa adaptada para os dois porque a casa em que nós moramos atualmente foi vendida e temos que sair até o início de abril.

Agora a gente só tem uma perspectiva boa porque os meus filhos podem até não ser curados, mas tudo o que está sendo feito com eles está deixando um legado para que outras famílias não passem o que nós passamos. Não passem por todos esses anos todos esperando para chegar ao diagnóstico e tenham um melhor prognóstico. Esperamos muito que um dia apareça alguma coisa.

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