Antropoceno: a marca da humanidade no tempo geológico

Antropoceno: a marca da humanidade no tempo geológico

O estudo da geologia ao longo dos séculos permitiu aos seres humanos não só entender a formação do planeta Terra como também usufruir do mesmo. Esta situação de beneficiamento trouxe consequências ao clima, meio ambiente e sistemas ecológicos.

A partir de diversos estudos pode-se constatar que as ações da humanidade através dos séculos influenciaram negativamente no equilíbrio do planeta. Atualmente, estas mudanças são perceptíveis e geram discussões sobre a segurança da vida humana.

É a partir desta visão que surgiu o conceito de antropoceno. Cientistas de várias áreas de estudos, ao perceberem esta mudança, levantaram a questão que perdura até hoje e que merece atenção em âmbito mundial: quando se iniciou o antropoceno?

Antropoceno: primeiras abordagens em perspectiva científica

Na década de 1980 a palavra “antropoceno” foi usada pela primeira vez, por Eugene Stoermer, biólogo norte-americano. Entretanto, apenas no ano de 2000 o termo consolidou-se, pois foi usado em uma publicação ligada ao Prêmio Nobel de Química.

Com a introdução desta palavra, além do surgimento de novos trabalhos que discorriam sobre esta abordagem, o entendimento do antropoceno começou a ser aceito por muitos pesquisadores, enquanto outros não entravam em consenso.

Primeiramente, alguns cientistas aceitam que o antropoceno é marcado pela revolução industrial, outros defendem que este pode ser definido pela grande aceleração ocorrida após a Segunda Guerra Mundial, quando grandes tecnologias se desenvolveram e houve aumento da população. Há ainda a hipótese que o antropoceno começou com o estabelecimento da agricultura.

A definição do antropoceno e o tempo geológico

Embora o termo antropoceno seja largamente utilizado pela comunidade científica, a validação deste esbarra em um obstáculo: a tabela internacional estratigráfica.

Esta tabela é feita pela Comissão Internacional sobre Estratigrafia. Este comitê, composto por uma vasta equipe de pesquisadores, tem como objetivo montar a tabela do tempo geológico, de maneira que haja um consenso acadêmico sobre as épocas e idades estabelecidas, para que as publicações sejam concisas e sigam um padrão.

Para estabelecimento da tabela cronológica, a comissão segue a seguinte convenção: é necessário haver uma diferença expressiva na estratigrafia de modo global para que seja estabelecida uma nova divisão na tabela.

Por exemplo, a última época da tabela é o holoceno, que se iniciou há 11.700 mil anos. Antes desta época, o planeta Terra estava no pleistoceno. O limite entre estes dois tempos foi estabelecido pelo fim da idade do gelo e pela extinção de uma megafauna.

Devido a essa regra, torna-se uma missão muito difícil delimitar um tempo exato de quando este limite pode ser colocado. Dentre os diversos fatores que podem ser usados para caracterizar o antropoceno, pode-se citar:

  • Tecnofósseis;
  • Desestabilização dos recifes;
  • Novos minerais.
Figura 2 – Fatos que podem ser usados para marcar o limite entre Holoceno e Antropoceno. Fonte : Waters et al. (2014).

Uma vez que a importância deste tema foi reconhecida, formou-se em 2009 o Grupo de Trabalho do Antropoceno — sigla AWG em inglês. Este tem como objetivo estudar esta proposta de unidade de tempo geológico, buscando as evidências necessárias para corroborar a concepção do antropoceno.

O conceito de limites planetários

Certamente, uma das linhas de pesquisa mais famosa seja a de limites planetários. Criada por uma equipe de cientistas coordenados por Johan Rockström, este grupo estabeleceu marcos onde as mudanças ambientais podem ocorrer sem influenciar irreversivelmente os sistemas do planeta.

Os 9 limites planetários são:

  1. Perda de ozônio estratosférico;
  2. Perda da integridade da biosfera (perda de biodiversidade e extinções);
  3. Poluição química e lançamento de novas entidades;
  4. Mudanças climáticas;
  5. Acidificação dos oceanos;
  6. Consumo de água e ciclo hidrológico global;
  7. Mudanças no uso do solo;
  8. Ciclos de nitrogênio e fósforo para a biosfera e oceanos;
  9. Partículas de aerossóis na atmosfera.

Figura 3 – Limites planetários. Em verde, limite abaixo dos valores estabelecidos. Em amarelo, valores em uma zona de incerteza. Em laranja, valores além da zona de incerteza. Fonte: J. Lokrantz/Azote based on Steffen et al. (2015).

Esta discussão abrange a conexão entre todos esses limites, pois eles não devem ser vistos como agentes distantes, mas sim, sistemas com dinamismo entre si. A partir desta visão, entende-se que a extrapolação de um limite irá atingir os outros.

Entretanto, observa-se divergência sobre a aceitação destes limites entre a comunidade científica. Muitos apontam que os valores estabelecidos não são suficientes, ou ainda, que algumas mudanças ocorrem pois são benéficas para os seres humanos.

As Conferências do Clima da Organização das Nações Unidas

Popularmente conhecidas como COPs, esses eventos anuais têm como objetivo reunir os países participantes para discutir ameaças climáticas e tomar decisões eficazes que mitiguem ou zerem riscos.

Durante os anos em que este evento vem sendo realizado, pode-se citar importantes acontecimentos que culminaram na união de várias nações em uma só deliberação. Em 2015, foi estabelecido o Acordo de Paris, que visa limitar o aumento do aquecimento global em 1,5 ºC. Para tal, conta com o apoio de países desenvolvidos e subdesenvolvidos.

Em 2016 foi redigido o Pacto Climático de Glasgow, que reúne diversos consensos estabelecidos na COP26. Estas novas diretrizes buscavam fortalecer o que foi estabelecido no Acordo de Paris. Algumas das conclusões foram:

  • Desmatamento zero;
  • Financiamento de 100 bilhões de dólares por ano para os países subdesenvolvidos;
  • Neutralidade de carbono.
Figura 4 – COP 27. Fonte: Adobe Stock

No ano de 2022 ocorreu a COP27, em Sharm El Sheikh, no Egito. Nela, foi reforçada a importância de proteger as florestas com o FCLP, Forest and Climate Leaders Partnership, que visa criar um fundo com o total de 25 países que juntos somam 35% das florestas ao redor do mundo.

Também foi levantada a questão de perdas e danos. Este conceito refere-se aos países com menos estrutura e que, consequentemente, sofrem mais com os efeitos das mudanças climáticas. Os resultados negativos referem-se a perdas materiais e não materiais.

Esta discussão abrange uma linha tênue quando se infere que países mais poluentes devem arcar financeiramente com os valores estabelecidos, o que por muitas vezes impede que se chegue a um consenso.

No rascunho publicado após o encerramento oficial do evento, é citada a proposta da criação de um fundo composto por vários doadores. Tal estratégia permite que o apoio financeiro não venha apenas de países desenvolvidos, o que pode agradar ambos os lados, tornando as colaborações financeiras mais viáveis.

Por fim, foram determinados 4 atos de Contribuição Nacionalmente Determinada. Estas ações têm o propósito de mitigar as mudanças climáticas causadas pela emissão de gases em cada país. As resoluções foram:

  • Formatação do processo de planejamento e desenho de políticas econômicas; 
  • Otimização dos sistemas de transporte; 
  • Identificar nas áreas urbanas obstáculos a redução de emissões, buscando assim adaptá-los;
  • Tratamento e reciclagem de, no mínimo, 50% dos resíduos sólidos produzidos em continente africano.

A geologia e a sua contribuição para um futuro sustentável

Por enquanto não há opinião definitiva sobre o começo do antropoceno. Apesar disso, a verdade é que atualmente já lidamos com os frutos de um modelo de vida global que traz impactos negativos ao planeta Terra.

Partindo deste ponto, torna-se evidente que é necessário buscar novos meios de alcançar desenvolvimento.

A geologia é essencial para construir caminhos mais sustentáveis. Além dos empregos convencionais onde vemos geólogos atuando, o antropoceno necessitará do conhecimento desta área para desenvolver atividades que colaborem com a construção de uma sociedade mais sustentável.

Figura 5 – Alunos da UFRRJ em campo da disciplina geologia prática. Fonte: Welerson Neto/Lívia Oliveira

Sustentabilidade, ciência, tecnologia e desenvolvimento devem andar juntos para que os resultados almejados sejam alcançados. É com esta visão que o geólogo deve reinventar-se e buscar novos meios de servir a sociedade.

Por exemplo, atualmente existem diversos estudos sobre captura, utilização e armazenamento de CO2  em reservatórios para diminuir a concentração desse gás na atmosfera. De igual modo, é preciso citar a importância da mineração de rejeitos e o enfoque em energias renováveis.


Referências:

Imagem da capa — A nice look from the Holocene towards the Anthropocene (Black Sea coastal zone, NW Turkey). Fonte: Twitter.

Artaxo, P. (2014). Uma nova era geológica em nosso planeta: o Antropoceno?. Revista USP, (103), 13-24. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/99279 > Acesso em: 13 de novembro de 2022.

Silva, C. M.; Arbilla, G. Antropoceno: Os Desafios de um Novo Mundo. Revista Virtual de Química, Vol. 10, Nº 6, páginas 1619-1647, março de 2018.

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