Em Bauru (SP), um jovem que hoje tem 26 anos convive desde bebê com os efeitos colaterais causados pela contaminação pelo metal. Ele acabou contaminado pois morava próximo de uma antiga fábrica de baterias que chegou a ser interditada após a confirmação de vários casos de contaminação.

David Pereira começou a ter os primeiros sintomas com apenas sete meses, os pais contam que nenhum alimento era digerido por ele e o bebê sofria de uma diarreia crônica. Na tentativa de descobrir o que o filho tinha, os pais procuraram dezenas de especialistas.

Até que um deles indicou um exame específico feito em um fio de cabelo que foi enviado aos Estados Unidos. Para surpresa da família, David estava contaminado por chumbo, alumínio e outros materiais pesados. O diagnóstico só saiu quando o menino já tinha 6 anos, em 1999.

“O que ele tinha era uma intoxicação por esses materiais que se não fosse tratada ia trazer grandes sequelas. Essa era a resposta para diarreia crônica dele”, conta Elizete Aparecida Pereira, mãe do jovem.

O caso de David foi se agravando e ele começou a apresentar problemas neurológicos que pareciam ser de esquizofrenia. Uma investigação nos arredores da casa do David começou a ser feita para descobrir como a criança havia sido contaminada.

“Meu marido não trabalhava com nada que envolvesse chumbo, bateria. A Cetesb veio na minha casa, fez uma varredura para ver se encontrava alguma coisa, bateria jogada no quintal mas não tinha nada disso. Foi quando surgiu a hipótese da Ajax, porque já se sabia dessa contaminação pela fábrica”, lembra a mãe.

A fábrica Ajax era uma das maiores do interior de São Paulo na produção de baterias para carros. O setor de fundição do chumbo funcionava perto de cinco bairros da cidade. Um deles, onde David morava.

Moradores destes bairros lembram até hoje a fumaça que saia da empresa. “Quando chegava próximo das 21 horas era um cheiro muito forte e aquela nuvem branca, uma espécie de pó que cobria o bairro”, destaca Israel Capperuto, presidente Associação do Bairro Tangarás.

A família de David morava a pouco mais de 2 km da fábrica. Na tentativa de curar o menino da diarreia crônica médicos indicaram leite de cabra, que os pais buscavam em um sítio perto da Ajax, sem imaginar a contaminação daquela área, como conta a mãe.

“A Ajax fazia os buracos, enterravam o chumbo e a grama era plantada por cima e as cabras se alimentavam dessa grama. Então meu filho tomou o leite com puro chumbo. Quando estourou o caso da Ajax, as primeiras cabras a serem sacrificadas eram as que ele tomava o leite.”

David começou a ter hiperatividade, déficit de atenção, deficiência mental e convulsões. Em 2002, uma reportagem em mostrou o drama da família. David era criança e já apresentava os sintomas neurológicos. Até hoje, ele toma 20 comprimidos por dia.

O caso de David chamou a atenção das autoridades, mas somente três anos depois é que a Secretaria de Saúde começou a fazer exames de sangue nas crianças que moravam perto da fábrica e descobriu que o problema era bem maior do que eles pensavam.

Em 2002, os exames comprovaram que 314 crianças estavam contaminadas pelo metal pesado e tóxico. Por vários anos elas foram acompanhadas por médicos. A Ajax foi interditada em 2011 pela Justiça depois que a Cetesb comprovou a emissão de poluentes, e a contaminação do solo, ar, vegetação.

Três anos depois a empresa fechou e foi decretada a falência. Em nota, o responsável pela massa falida da Ajax informou que alguns veículos e máquinas já foram vendidos e que existe a expectativa de que ainda este ano os bens da empresa comecem a ir a leilão.

Já a Cetesb informou que ainda há restos de produção de chumbo na antiga área de fundição da Ajax, mas as chamadas pedras de escória estão protegidas do solo, para evitar a contaminação.

Disse ainda que a retirada faz parte de um processo que ainda precisa ser feito pela massa falida da Ajax.

Pesquisas chegaram a mostrar que o grupo de crianças contaminadas apresentou baixo desempenho escolar em relação às crianças que não tinham chumbo no corpo.

O caso do David foi o mais grave e a família entrou na justiça. Foram 16 anos para conseguir provar que o chumbo deixou sequelas graves no jovem. A empresa recorreu, mas a sentença do Tribunal e Justiça de São Paulo confirmou a decisão da Justiça de Bauru que reconheceu os danos morais e materiais. Corrigidos , os valores chegam a quase R$ 6 milhões.

“Com o decreto de falência da empresa nos tivemos que fazer a reabilitação do crédito junto a massa falida, que é o valor que se vai gerar com a venda de todos os bens da empresa e isso vai demorar alguns anos até que todos esses bens sejam vendidos. Depois tudo será repartido pelos credores, mas não tem só o David de credor, todos os funcionários são credores, são mais de mil e todos eles estão se habilitando junto a essa massa falida. E até o fim desse processo que pode demorar anos, eles vão receber sim, mas um valor infinitamente menor do que aquele que eles tinham direito”, explica o advogado Sérgio Augusto Rossettooff.

Enquanto isso, a mãe de David trabalha como faxineira e o pai, aposentado, segue trabalhando no comércio para conseguir pagar um plano de saúde para o filho. Ele se emociona quando fala do assunto e preferiu não gravar entrevista. Mas os dois seguem lutando para oferecer pelo menos qualidade de vida para o filho tão querido.