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Ministério da Justiça e Segurança Pública - MJSP

Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE

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Processo Administrativo nº 08700.004720/2016-34

Representante: BT Brasil Serviços de Telecomunicações Ltda.

Advogados(as): Paula Casagrande, Fabrício de Almeida e outros.

Representados(as): Claro S.A., Oi Móvel S.A., Telefônica Brasil S.A.

Advogados(as): Barbara Rosenberg, Camila Paoletti e outros.

Relator(a): Paula Azevedo

VOTO VISTA - PRESIDENTE

VERSÃO PÚBLICA

Ementa:

PROCESSO ADMINISTRATIVO. CONDUTA COMERCIAL UNIFORME. CONSÓRCIO TELEFÔNICAS. RAMO DE ATIVIDADE 112 (TELECOMUNICAÇÕES, INCLUSIVE SERVIÇOS DE INTERNET) ADAPTADO AO CASO CONCRETO CONFORME ART. 2-A DA RESOLUÇÃO N. 3, DE 29 DE MAIO DE 2012, PARA licitações públicas ganhas na administração pública federal. MERCADO DE SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO MULTIMÍDIA E DE INFRAESTRUTURA DE TELECOMUNICAÇÕES. DIMENSÕES MUNICIPAL E NACIONAL. PARECER DA SUPERINTENDÊNCIA-GERAL PELA CONDENAÇÃO. PARECER DA PROCURADORIA FEDERAL ESPECIALIZADA PELA CONDENAÇÃO. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PELA CONDENAÇÃO. CONDENAÇÃO. mULTA.

A formação de consórcio por empresas detentoras de altíssimo poder de mercado pode caracterizar conduta concertada, passível de punição pelo controle de conduta concorrencial, ainda que apresente imunidade antitruste pelo controle de estrutura.

Comprovação de condutas unilaterais anticompetitivas e impeditivas à concorrência, quais sejam, discriminação de preços e recusa de contratar.

Necessidade de extrema prudência na formação de consórcio por players com altíssimo pode de mercado, além de deter certeza absoluta de sua essencialidade e célere comprovação de eficiências caso haja investigação por parte do Cade.

Na capítulo de dosimetria, utilizou-se como base de cálculo o faturamento bruto do ano anterior no sub ramo de atividade definido no voto, conforme disposto no artigo 37, inciso I, da Lei 12.529/11 c/c o art. 2-A da Resolução nº 3/12 do Cade, rechaçando-se a metodologia de vantagem auferida utilizada pela Conselheira Relatora.

voto vista

considerações iniciais

Em homenagem ao princípio da economicidade, valho-me do relatório elaborado pela Conselheira Relatora Paula Farina (SEI nº 1018105), e destaco, apenas, os pontos de maior atenção e controvérsia, cujas considerações se fazem importantes para a melhor compreensão quanto à formação de minha convicção.

O presente Processo Administrativo foi instaurado em 25.08.2017, a partir do Despacho SG nº 1248/2018, que, acolhendo as razões da Nota Técnica nº 33/2017/CGAA4/SGA1/SG/CADE, entendeu pela “instauração de Processo Administrativo, nos termos dos arts. 13, V, e 69 e seguintes, da Lei nº 12.529/2011 c/c art. 186 e seguintes do Regimento Interno do Cade, em face da Claro S.A., OI Móvel S.A. e Telefônica Brasil S.A. a fim de investigar as condutas passíveis de enquadramento nos artigos 20, I a IV, e 21, I, III, VIII e X, da Lei nº 8.884/1994, correspondentes ao art. 36, incisos I a IV c/c seu § 3º, inciso I, alíneas "a", "b" e "c" da Lei nº 12.529/2011, na forma do artigo 69 e seguintes da Lei nº 12.529/2011”. 

Quanto à representação formulada pela BT Brasil Serviços de Telecomunicações Ltda. (“BT”), foi trazido a conhecimento deste Cade que as representadas (Claro S.A., Oi Móvel S.A. e Telefônica Brasil S.A.) seriam detentoras de controle sobre o acesso à infraestrutura local de telecomunicações e teriam atuado de forma anticompetitiva mediante a coordenação entre si para eliminar a competição em licitações públicas; e, individualmente, mediante a adoção de condutas de recusa de contratar e discriminação de preços nestas mesmas licitações das quais participaram, no âmbito dos serviços de contratação de internet banda larga (Serviço de Comunicação Multimídia – “SCM”), com abrangência nacional, pela Administração Pública.

No mérito da questão, são, portanto, dois os principais pontos de atenção denunciados pela Representante, quais sejam:

i. Formação de Consórcio Rede Correios entre as empresas Claro, Oi e Telefônica para a participação em licitações públicas para a prestação de serviço de comunicação de dados (em especial, o Pregão Eletrônico nº 144/2015), a partir do qual se teria reduzido a competição entre os players e prejudicado a atuação de outros agentes no mercado;

ii. Condutas unilaterais praticadas pelas representadas no âmbito do acesso à infraestrutura dos circuitos de comunicação (especificamente de links MPLS) necessários à formação da proposta da BT para a participação no Pregão (relacionadas e como consequência da lógica da conduta concertada perpetrada por meio do consórcio), quais sejam:

Discriminação de preços; e

Recusa de contratar.

Quanto às informações relativas ao setor de telecomunicações no Brasil, serviço de comunicação multimídia e serviço MPLS, os aspectos do provimento de SCM e os pontos relativos ao Pregão nº 144/2015, objeto deste Processo Administrativo, assim como as questões relativas à análise do Mercado Relevante, Poder de Mercado e incentivos, acolho na íntegra as considerações realizadas pela SG em sua Nota Técnica nº 5/2021/CGAA4/SGA1/SG/CADE (Tópicos 3.2. a 3.4), notadamente em razão da aplicação do princípio da economicidade nas decisões da Administração Pública.

Realço apenas, neste ponto, a conclusão realizada pela SG da comprovação da posição dominante e altíssimo poder de mercado detido pelas três representadas no mercado relevante ora analisado SCM – posição dominante comprovada caso quer se olhe no segmento SCM atacado (mercado upstream) x varejo (mercado downstream), ou no segmento SCM compartilhado (ramo residencial do SCM) x SCM dedicado (ramo empresarial do SCM, mercado examinado no presente caso). Nesse sentido, reproduzo os parágrafos 282 e 283 da Nota Técnica da SG apontando tal conclusão:

282. Por todo o exposto, resta evidente que as três Representadas fazem parte de grupos econômicos com relevante participação de mercado em relação à prestação de SCM, independente da tecnologia de acesso considerada, ou da segmentação por tipo de cliente. As Representadas controlam também parcela relevante da infraestrutura de acesso local, e são, individualmente, as líderes do mercado com significativa disparidade de participação em relação aos outros agentes.

283. Da mesma forma, quando se considera o mercado de infraestrutura de transporte, é patente a dominância exercida pelas Representadas sobre esse ativo, sobretudo de forma conjunta, uma vez que Oi e Telefônica possuem poder de mercado significativo de forma complementar em todo território nacional, enquanto a Claro – que possui PMS relevante em EILD de longa distância - é a única prestadora capaz de rivalizar com tais incumbentes.

Passo à análise de mérito, portanto, apenas no que diz respeito às condutas imputadas às Representadas, bem como às implicações delas decorrentes, podendo eventualmente retomar algum dos pontos técnicos aventados na Nota da SG para fins de elucidação da questão.

DAS CONDUTAS IMPUTADAS ÀS REPRESENTADAS 

II.2. Conduta concertada materializada pela formação de consórcio em Licitação Pública.

Conforme delimitado pela SG em sua Nota Técnica (§ 288), a conduta coordenada averiguada se refere à “adoção de conduta comercial concertada materializada pela formação de consórcio entre concorrentes efetivos, com potenciais vantagens anticompetitivas resultantes da supressão da livre concorrência entre si e redução da pressão competitiva dos demais participantes do mercado de SCM, especialmente no âmbito de licitações públicas”.

Trata-se, portanto, da formação de um Consórcio entre três empresas do ramo de telecomunicações, todas com escopo de atuação nacional (principalmente às empresas Claro e Oi, enquanto a empresa Telefônica, ainda que tenha presença em quase todas as regiões do Brasil, detinha o estado de São Paulo como principal ponto de atuação), poder de mercado e dominância no acesso à infraestrutura local no seu ramo de atividades.

Ressalta-se, mais uma vez, como será bem destacado em vários momentos ao longo do voto deste processo, que não se está realizando uma análise de ilicitude per se de um consórcio. Isto é, o Consórcio em si é um instituto legal, podendo ser formado com o propósito de participação em licitações públicas – como ocorre no presente caso – conforme a previsão do arttigo 33 da Lei nº 8.666/93[1], previsão dos artigos 278 e 279[2]  da Lei 6.404/76 e demais previsões em outras legislações.

Dessa forma, a formação do consócio é recomendável nos casos em que a situação demande uma atuação em conjunção de esforços entre empresas que, sozinhas, não teriam a possibilidade de participar do certame público, seja em razão da complexidade técnica do objeto ou das condições de mercado (o que ocorre em atividades de pesquisa, exploração de minério ou grandes obras de engenharia, por exemplo). Nesse sentido, conforme apontado pela OCDE (Policy Roundtable, Public Procurement, 2007, p. 34)[3] , o consórcio pode ser pró ou anticompetitivo, a depender da situação específica na qual ele se insere:

Joint bidding is competition-enhancing if it allowsfirmsthat are not able to supply complementary products to join with other firms to jointly supply those complementary products. There is also a so-called information effect of joint bidding which is pro-competitive as it promotes more aggressive bidding due to the information pooling.

However, when competing firms bid jointly, this usually reduces competition as joint bidding reduces the number of participants. This so-called reduced competition effect promotes less aggressive bidding and therefore has negative effects on competition.

Neste mesmo sentido, destaco também os apontamentos realizados no Guia de Combate a Cartéis em Licitação do Cade que, na página 45, registra possíveis pontos pró e anticompetitivos na formação de consórcios:

"O artigo 33 da Lei nº 8.666/1993 traz a autorização legal para a constituição de consórcios em licitações públicas, sendo esse instrumento relevante para que se aumente a competitividade de certames, especialmente em casos de grandes contratações, em que uma empresa isoladamente não teria condições de fornecer o bem ou prestar o serviço licitado. Contudo, de acordo com Marçal Justen Filho, apesar de existirem hipóteses nas quais os consórcios contribuem para o aumento do número de participantes, especialmente em licitações cujo mercado ou objeto são complexos, a formação de consórcios pode reduzir o universo da disputa e incentivar que os potenciais interessados façam acordos entre si. Em alguns casos, tal instrumento pode ser utilizado de forma distorcida, com o fim principal de garantir uma divisão acordada previamente entre concorrentes. Em geral, isso ocorre em casos em que as empresas tem capacidade técnica e financeira para, isoladamente, prestarem o serviço e/ou fornecerem o produto licitado, mas decidem formar consórcio. Tais consórcios, portanto, reduzem a competitividade do certame – haja vista que potenciais concorrentes suprimem suas propostas individuais, passando a formar um consórcio – e alocam as parcelas do objeto licitado às consorciadas. A permissão para formação de consórcios pode, ainda, incentivar as empresas a acordarem os ganhadores de cada licitação em uma situação em que haja certa previsibilidade de ocorrência dos certames e que os produtos sejam similares entre si. Toma-se, como exemplo, um mercado com cinco agentes e com previsão de lançamento de duaslicitações em que é permitida a formação de consórcios. Os concorrentes têm incentivos para, ao invés de participarem individualmente do certame, formar consórcios, de modo que todos sairiam beneficiados, com uma margem de preço superior ao cenário competitivo”.

Importante destacar que este entendimento é de conhecimento notório desde antes da promulgação da nova Lei de Defesa da Concorrência, como se verifica do seguinte trecho extraído da Portaria da Secretária de Direito Econômico do Ministério da Justiça nº 51, de 03/07/2009, in verbis:

Por um lado, o consórcio pode permitir a participação de pequenas empresas em contratações que, se não fosse pela oferta em conjunto, não lhes seria possível participar, por não disporem de recursos financeiros, técnicos ou humanos suficientes se consideradas individualmente. Assim, esse tipo de consórcio permite que um maior número de propostas sejam apresentadas ao contratante público. Por outro lado, empresas com condições de participarem sozinhas da licitação podem formar consórcios com o objetivo de eliminarem a concorrência entre si, o que possui caráter nitidamente anticoncorrencial.

Quanto à sua natureza, os consórcios são constituídos para uma atividade específica, em que não há formação ou alteração da personalidade jurídica das empresas integrantes, conforme os artigos 278 e 279 da Lei 6.404/76[4] . Esse é um dos motivos, inclusive, pelos quais estes acordos não são de notificação obrigatória ao Cade, em que pese o Guia de Combate a Carteis em Licitação do CADE recomendar à Administração Pública para que, ao desenhar editais, avalie a adoção de critérios que estimulem a competitividade de forma a incentivar a participação de entrantes no mercado e assim evitar que o instituto do consórcio venha a ser utilizado para uma redução estratégica da demanda[5] .

Ocorre que, ainda que o Consórcio para participação em licitações públicas seja um instituto legal, por consequência lógica e jurisprudencial não configure um ilícito concorrencial per se e, ainda, não demande notificação à autoridade de defesa da concorrência (consoante o parágrafo único do artigo 90 da Lei 12.529/11[6]), torna-se necessário averiguar se a sua formação e sua atuação no Pregão em análise não ocorreu de forma que os agentes tenham atuado em prejuízo ao ambiente competitivo no mercado afetado ou falsear a concorrência.

Neste ponto específico, importa consignar que se analisará neste voto as alegadas consequências concorrencialmente lesivas ao mercado decorrentes de conduta concertada entre as empresas representadas, que, no caso concreto, foi perpetrada a partir de um arranjo contratual materializado pelo consórcio (assim como também o poderia, exemplificativamente, a partir de uma associação, um contrato associativo, coligação entre empresas, dentre outros).

Não se trata, portanto, de equiparar acordos de consórcio em Licitações Públicas a ilícitos per se, uma vez que a presunção de sua existência sempre será de licitude, assim como de todos os demais arranjos empresariais o é. No entanto, sendo o dever desta autarquia zelar pela Defesa da Concorrência Nacional, é evidente que atos praticados em conjunto por dois ou mais agentes que, de alguma forma, tenham lesado ou, potencialmente lesado, a concorrência no mercado relevante, cabe ao Cade analisar e intervir (assim como é feito em casos de análise de condutas unilaterais).

Ademais, realça-se que a imunidade antitruste disposta no parágrafo único do artigo 90, o qual consolida que consórcios, joint ventures ou demais contratos associativos dispostos no inciso IV do igual artigo não são considerados atos de concentração e, por conseguinte, não serão submetidos à notificação e análise pelo Cade, ainda que ultrapasse os thresholds estabelecidos no artigo 88, por óbvio, não se estende às infrações da ordem econômica e ao controle de conduta presente no artigo 36.

Dessa forma, empresas que cometeram condutas anticompetitivas através da figura de um consórcio são passíveis de punição, caso comprovada a ilicitude de suas condutas pelo Cade. Isto decorre, pois, contrário sensu e estressando o argumento ao limite, ao interpretar que a imunidade do parágrafo único do art. 90 fosse expandida também ao controle conduta, poder-se-ia estar dando imunidade para que cartéis em licitações não fossem responsabilizados por suas condutas de cartéis caso eles fossem materializados através de consórcio, pensamento esse incoerente e contraditório ao objetivo de Defesa da Concorrência realizado por esta autarquia (salientando, mais uma vez, que o presente caso não trata de um cartel, mas sim de uma prática concertada combinada com condutas unilaterais).

Neste sentido, conforme pontuou a Superintendência-Geral em sua Nota Técnica nº 5/2021 (§ 246), “há que se ponderar se a eliminação de competição entre as empresas consorciadas seria a motivação precípua da cooperação, caracterizando acordo anticoncorrencial, independentemente de qualquer ganho de eficiência subsidiário, ou se de fato a opção pela celebração de um acordo de consorciamento se sustentou em um diagnóstico legítimo de identificação de sinergias entre potenciais concorrentes”.

Assim sendo, destaco, neste momento, a ideia de obrigação especial que existe no Direito Concorrencial relacionada a empresas com posição dominante em um determinado mercado, assim como a ideia de ilícito concorrencial de abuso de posição dominante por, de fato, “abusar” de sua posição dominante.

Nas palavras de Caio Mário e Paulo Casagrande (Direito Concorrencial: Doutrina, Jurisprudência e legislação, pág. 137-138):

O simples fato de uma empresa deter posição dominante em determinado mercado relevante não é ilícito nos termos da lei brasileira. Pelo contrário, a Lei n. 12529/11 é clara ao indicar expressamente que a ‘conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores’ não caracteriza ato ilícito (art. 36, § 1º). Aliás, a busca incessante por conquistar maior parcela de mercado é o próprio motor do processo competitivo, devendo ser valorizada e não coibida pela autoridade concorrencial.

Assim, apenas o “abuso” da posição dominante é considerado ilícito no Brasil. A ideia de abuso implica alguma ‘anormalidade’ na conduta, algo distinto do ‘processo natural’ de competição. Assim como o Direito Civil cunho a noção de ‘abuso de direito’ para disciplinar situações em que o titular de um direito subjetivo o exerce de forma a prejudicar terceiros, exorbitando os limites de sua liberdade individual, o direito econômico concebeu a figura do ‘abuso de posição dominante’ para disciplinar situações em que um agente econômico utiliza seu poder de mercado de forma a distorcer o processo competitivo, exorbitando os limites das liberdade econômicas garantidas constitucionalmente (i.e., liberdade de iniciativa e de concorrência”).

Reproduzo também um pequeno trecho do Parecer emitido pelo MPF (SEI 0940962), o qual também salienta esse determinado ponto:

Segundo leciona Burnier (Paulo Burnier da Silveira. Direito da Concorrência, Forense: 2021, p.95), a respeito das obrigações a que estão sujeitas empresas que detêm posição dominante: ‘a mera constatação da existência de uma posição dominante não é, por si só, ilegal. As empresas podem obter legitimamente uma posição dominante em dado mercado, fruto de mérito próprio no processo competitivo empresarial. No entanto, as empresas que detêm posição dominante estão sujeitas a obrigações especiais no plano concorrencial, pois suas práticas podem ter efeitos negativos sobre o mercado, a ponto de eliminar concorrentes e, com isso, aumentar preços para os consumidores no longo prazo (grifo do voto-vista).

Por último, trago trecho de doutrina estrangeira que também aviva a ideia de responsabilidade especial de empresas com posições dominantes (Competition Law, Richard Whish & David Bailey, Oxford University Press, Ninth Edition, p. 198):

The ‘special responsibility’ of dominant firms. It is not unlawful for a firm to have a dominant position: what is prohibited is the abuse of a dominant position. However the Court of Justcie in Michelin v Commission stated that a firm in a dominant positioI has a ‘special resposibility not to allow its conduct to impair undistorted competition’ on the internal Market. This statement is routinely repeated in the judgments of the EU Courts and the decisions of the Commission on Article 102. In a sense it is a statement of the obvious: it is clear that Article 102 imposes obligations on dominant fimrs that non-dominant firms do not bear. Unilateral behaviour is not controlled under Article 101, which applies only to collusive consudct, unilateral acts however can amount to na infringement of Article 102. However the conundrum for anyone interested in Article 102 is to determine what, precisely, is meant by an abuse of a dominant position” (grifo nosso). 

Assim, compreendido o ponto das obrigações especiais para empresas com posição dominante em um determinado mercado, para a escorreita avaliação da lesão ou potencial lesão concorrencial no caso concreto, é preciso levar em consideração primeiramente se as Representadas (i) detêm ou não poder de mercado; (ii) há justificativas para a atuação conjunta naquele certame e, em caso positivo, quais seriam estas justificativas; e, por fim, (iii) se essa atuação gerou danos ou, ao menos, potenciais danos à concorrência no mercado afetado.

Quanto ao primeiro ponto, conforme já exposto anteriormente no voto, adianto que concordo com o posicionamento desta Superintendência-Geral, a qual procedeu à análise dos dados de SCM (Serviço de Comunicação Multimídia) necessários à verificação da participação de mercado das Representadas e concluiu pela detenção de poder de mercado por cada uma das empresas.

Isso, notadamente, por cada uma fazer parte dos três maiores grupos de telecomunicações do país e, somado a isso, serem detentoras do controle quase que total da infraestrutura local terrestre de telecomunicações – insumo este essencial para a prestação dos serviços de SCM nos enlaces das faixas T4 a T17 do Pregão nº144/2015. Conforme apresentado pela SG nos parágrafos 126 e 127 e no Quadro 2 – Especificação Técnica dos Enlaces (Pregão nº 144/2015 – Correios), enquanto as faixas T1, T2 e T3 poderiam ser ofertadas tanto por uma tecnologia Satelital quanto por uma tecnologia Terrestre, enquanto as demais faixas T4 a T17 deveriam ser unicamente ofertadas por uma tecnologia terrestre – faixas essas que, portanto, obrigava a representante BT a subcontratar a oferta desse serviço das Representadas, uma vez que aquela detinha apenas a tecnologia satelital, não tendo nenhuma infraestrutura terrestre.

Quanto ao ponto “ii”, que remete à avaliação sobre as justificativas para a formação do consórcio e se essas justificativas possuem plausibilidade econômica no contexto da licitação pública em que as empresas participaram, a tabela abaixo sumariza (i) os principais argumentos das Representadas para justificar a formação do Consórcio no contexto licitatório; (ii) os contra-argumentos apresentados pela BT; e, em resumo, (iii) as ponderações realizadas pela Superintendência-Geral em sua Nota Técnica nº 5/2021:

[7]

[8]

Para além dos pontos apresentados acima, a BT argumentou que essa atuação conjunta das Representadas em licitações públicas seria recorrente, evidenciando a opção das Representadas por participarem de diversas licitações em forma de consórcio gerando, deliberadamente e conscientemente, efeitos deletérios à concorrência ao tornarem os demais concorrentes incapazes de competir no certame[9] .

A esse respeito, a Nota Técnica da SG destaca a alegação da BT de “que as Representadas optam pelo consorciamento para reduzir competição, dissuadir qualquer outra empresa presente no mercado brasileiro de telecomunicações de participar de licitações estratégicas nacionais; inviabilizar a formação de consórcios entre as Representadas e empresas de menor porte e, em última instância, aumentar preços para os órgãos licitantes, dada a ausência de concorrência nos certames”[10]

Ainda que a formação do consórcio para licitações não seja um ilícito per se e as empresas tenham buscado demonstrar os ganhos de eficiência decorrentes do acordo (como consta dos argumentos na tabela acima) em um racional teórico bem construído (em caráter ex post, contudo), a justificativa em termos práticos para a formação do consórcio não existiu – principalmente se considerar que a formação de consórcios em licitações é liberada para casos específicos em que não seria possível o atendimento ao serviço objeto da licitação sem a união de esforços entre as empresas.

Com o objetivo de demonstrar a entendida racionalidade econômica para a formação do acordo em Consórcio, as empresas Representadas reforçaram em suas últimas manifestações nestes autos os argumentos anteriormente colacionados, destacando, em síntese:

i. Oi (Manifestação SEI 1015707):

a. Ausência de fundamentação pela Superintendência-Geral para afastar a presunção de legalidade e legitimidade de consórcios;

b. A participação individual da Oi no Pregão nº 144/2015 seria inviável por não dispor de capacidade satelital expressiva e infraestrutura de rede terrestre suficiente para atender aos pontos de conexão demandados pelos Correios, além de ter reduzida presenta no Estado de São Paulo;

c. A SG teria desconsiderado a intensa concorrência verificada no Pregão nº 144/2015;

d. Que a conduta da Oi sempre teria sido marcada por privilegiar a concorrência;

 

ii. Claro (Manifestação SEI 0420254):

a. As alegações da BT discutidas no presente processo refletem aspectos relacionados a questões privadas entre as partes, que não afetaram negativamente a competição no mercado;

b. Ausência de comprovação da conduta alegada contra o consórcio ou, especificamente contra a Claro;

c. A SG partiu de premissas equivocadas ao formar sua convicção sobre o setor de telecomunicações no Brasil, bem como definiu os mercados relevantes de maneira muito abrangente, imprecisa e excessivamente simplista;

d. Há justificativas legítimas para a atuação via consórcio formado pela Claro, Oi e Telefônica, não sendo tal formação uma prática recorrente e não havendo danos significativos à concorrência no mercado;

e. Não há poder de mercado por parte das investigadas, tendo havido classificação equivocada pela SG dos grupos com PMS;

f. Não houve recusa ou imposição de medidas exclusionárias por parte da Claro em relação à BT.

 

iii. Telefônica (Manifestação SEI 0952222):

a. A diferenciação entre consórcio e conluio;

b. A suposta ausência de provas na análise de precedentes sobre consórcios em licitações;

c. O Consórcio formado teria ocorrido licitamente;

d. A regras do pregão visariam o estímulo da concorrência;

e. O Consórcio teria eficiências econômicas.

Não obstante todas essas questões colocadas pelas partes já terem sido anteriormente analisadas pela Superintendência-Geral, pela PROCADE e pelo MPF junto ao Cade, destaco ainda, por outra vez, que não se trata de uma presunção de ilicitude do consórcio nem mesmo de se pretender exigir a totalidade da documentação que comprove o racional prático de sua atuação ou partir do princípio de que consórcios são limitados a players de pequeno porte.

A própria lei define a licitude do consórcio, porém, na ausência de demonstração de sua necessidade e eficiências no âmbito da licitação pública, não há justificativas para a sua formação.

No caso ora em análise, as próprias empresas Representadas não lograram êxito em demonstrar o racional prático para a constituição do Consórcio entre elas (como as análises técnicas de viabilidade e o racional econômico que traria os benefícios almejados pelas empresas). Era de se esperar de um consórcio feito pelos três maiores players do mercado, no mínimo, que as partes tivessem produzido alguma documentação anterior ao consórcio comprovando as eficiências que seriam produzidas pela formação do acordo. Contudo, caso existisse essa documentação, ela nunca foi trazida ao longo do processo.

Além disso, as respostas obtidas pelos agentes privados que demandam a utilização de serviços de SCM em nível nacional dessas empresas revelaram que os serviços poderiam sim ser prestados de forma individual (isto é, sua participação na licitação poderia ter sido feita isoladamente) e que a formação de um consórcio entre elas seria prejudicial ao mercado em termos de capacidade de negociação. Essas conclusões, assim como demais argumentos que apontam a não essencialidade do consórcio feito pelos três maiores players, podem ser verificadas na instrução realizada pela Superintendência-Geral e consignadas no Capítulo 3.5.3 de sua Nota Técnica.

Finalizando o ponto “ii” em relação a justificativas para a prática da conduta, realço a realização do consórcio entre as três empresas para a oferta do serviço de SCM em outras quatros licitações, conforme apontado pelo parágrafo 454[11]  da Nota da SG, e, em especial, o Pregão nº 24/2013 – GESAC – II – do Ministério das Comunicações. A argumentação da SG no Capítulo 3.5.3.5.4 – Da atuação conjunta das Representadas em outros certames – merece especial destaque (principalmente os parágrafos 485 a 491), a qual retomo aqui no meu voto.

Em apertadíssima síntese, os principais argumentos elencados pelas Representadas para a necessidade da formação do Consórcio para a participação nessa licitação se encontram na redução dos custos e nos ganhos de eficiência que ocorreria pela formação do consórcio, uma vez que este permitiria que cada Representada ofertasse o serviço diretamente nas regiões onde cada uma seria mais eficiente – a partir de sua complementariedade tecnológica e geográfica – não sendo necessária a subcontratação para a oferta do serviço. Isto ocorreria em virtude do Pregão nº 144/2015, realizado pelos Correios, ter cobertura nacional, obrigando que os agentes que participassem da licitação ofertassem os serviços em quase toda totalidade dos municípios brasileiros (em número de enlaces, a obrigação era a oferta de 8.223 enlaces, sendo que 4.561 poderiam utilizar tecnologia satelital ou terrestre, enquanto os demais 3.662 eram obrigados a serem ofertados por tecnologia terrestre).

Dessa forma, esperar-se-ia que, caso o Pregão tivesse sido dividido em lotes por regiões, não haveria a necessidade da formação de consócio, pois, nesse caso, cada empresa participaria e apresentaria uma oferta nas regiões que elas fossem eficientes, não participando de regiões em que fosse necessária um grande dispêndio na construção de novas infraestruturas ou a subcontratação de outras empresas que ofertassem o serviço diretamente.

Nesse sentido, o Pregão nº 24/2013 apresentasse como um excelente contra factual para esse caso. Conforme apontado pela SG (§ 485-491):

485. O Pregão Eletrônico nº. 24/2013 – MC foi lançado pelo então Ministério das Comunicações para contratar serviços em regime continuado de transmissão bidirecional de dados, em âmbito nacional. O certame foi dividido em cinco lotes, formados por um ou mais itens, sendo os Lotes I a IV para acesso terrestre (Lote 1 - Litoral Sul[250]; Lote II - Litoral Leste[251]; Lote III - Litoral Norte[252]; Lote IV - Interior[253]) e o Lote V para prestação de serviço de comunicação via satélite, em âmbito nacional. Os licitantes poderiam participar em todos os lotes, mas era necessário ofertar proposta para todos os itens do lote pleiteado.

486. Na ocasião, as Representadas formaram o Consórcio Conecta, único participante e vencedor em todos os lotes terrestres. Apenas no lote V - de acessos satelitais - houve disputa com outro licitante – a BT. Mas também nesse lote o Consórcio sagrou-se vencedor.

487. Ao analisar a Ata do referido certame[254], verifica-se que nos lotes I, II e IV o lance do Consórcio foi apenas 1,3% inferior ao valor estimado pelo certame. No lote III, essa diferença foi de somente 1,9%. Já no lote V, em que houve competição com a BT, a diferença entre o lance vencedor do Consórcio e o valor de referência estimado pelo certame foi de 30%.

488. Esse resultado é mais uma evidência do efeito danoso que a falta de competição acarreta aos certames e, por consequência, à concorrência no setor de telecomunicações e à Administração Pública. A atuação em consórcio elimina a competição entre os principais agentes do mercado e afasta qualquer possibilidade de que eventuais eficiências sejam repassadas ao cliente.

489. Destaque-se que, no caso do pregão em comento, a divisão do objeto por lotes regionais torna inadmissível o argumento de que a suposta racionalidade econômica e as eficiências promovidas residem na complementaridade das redes das Representadas e justificariam o consórcio.

490. Como se pode extrair dos documentos do certame, o Lote I compreendia acessos terrestres no estado de São Paulo - área de concessão da Telefônica -, e os estados da Região Sul - em que a Oi é concessionária - e que sabidamente são localidades de maior interesse econômico, onde a presença de prestadoras de serviços de telecomunicações, inclusive da própria Telefônica, é mais relevante. Para atender a esse lote, não se cogita qualquer necessidade de consorciamento com a Claro, que reiteradamente menciona como seu diferencial a capacidade satelital, não permitida nesse lote. Ainda, também é questionável a necessidade de consorciamento entre Telefônica e Oi, considerando que ambas possuem capilaridade expressiva nesses estados, e poderiam contratar apenas a última milha junto a terceiros, viabilizando uma competição entre si. Por sua vez, os lotes II, III e IV abarcavam somente acessos terrestres em territórios onde a Telemar é a concessionária e detém ampla capilaridade de rede. Portanto, também nesse caso, não há que se falar em necessidade de consórcio com qualquer operadora para atendimento do objeto. Por fim, o lote V previa apenas links de satélite em todo território nacional. Ora, se Claro possui ampla capacidade satelital, enquanto Oi e Telefônica destacam sua limitada capacidade de cobertura nessa tecnologia - inclusive utilizando desse fato como argumento para a constituição do Consórcio Rede Correios -, qual a necessidade de Claro se associar às demais Representadas para disputar esse lote? Ainda, um arranjo desse tipo é inclusive capaz de viabilizar o subsídio cruzado entre diferentes lotes, permitindo a oferta de preços artificialmente menores nos acessos satelitais, por exemplo, único lote em que houve competição.

491. Com a atuação consorciada das três maiores prestadoras de SCM no Brasil, o que se nota claramente é que a divisão do objeto do contrato em lotes, com o intuito de ampliar a competitividade e permitir a participação de players menores, foi completamente inócua. Da mesma forma, o objetivo fundamental da admissibilidade de consórcios em licitações – permitir que um agrupamento de empresas pequenas possa concorrer de forma igualitária com empresas de grande porte -, também não foi alcançado. 

Assim sendo, comprova-se, por todo exposto ao longo dos autos, evidenciado neste voto, a ausência de justificativas primordiais práticas e econômicas, bem como de eficiências, que tornasse essencial a formação do consórcio pelos três grandes players. Desse modo, cumpre analisar o ponto “iii” acima indicado, no que atine aos danos ou à potencialidade do dano da atuação conjunta das empresas representadas.

A tabela a seguir elucida a potencialidade de danos significativos à concorrência apontados pela BT, os contra-argumentos das representadas e as ponderações realizadas por esta Superintendência-Geral:

Partindo do exposto, deve-se considerar que a atuação concertada das três empresas com poder de mercado possui o potencial de gerar desincentivos à participação de empresas menores no mercado, e, consequentemente, ocasionar perdas de escala e detenção dos atestados técnicos para a atuação dessas empresas, aumentando as barreiras à entrada, bem como possibilitando um incentivo ao aumento de preços a partir do momento em que apenas um agente monopolista tiver capacidade técnica e porte suficiente para participar dos certames públicos.

No caso concreto, essas preocupações foram corroboradas pelas respostas dos agentes privados consultados em sede de instrução processual (resposta aos Ofícios 6398, 6399, 6400, 6401, 6402, 6403, 6404, 6405, 6407 e 6408), os quais afirmaram que haveria efeito quanto ao fornecimento de serviços no mercado afetado, potencialmente reduzindo a competição, em razão da atuação conjunta das Representadas. Isso principalmente se considerar que, ao se tratar de um mercado regulado no qual há elevadas barreiras à entrada, sejam elas de nível regulatório ou de dispêndio com a construção de infraestrutura e capex, a adoção de políticas de margin squeeze ou de recusa de contratar, impedindo que players pequenos tenham acesso à infraestrutura desses grandes players, inibe – ou em até um certo grau impossibilita – a existência desses pequenos players, reduzindo diretamente a concorrência no setor.

A esse respeito, a OCDE já se manifestou pela impossibilidade de permitir a formação de consórcios em licitações quando as empresas tenham capacidade econômica para executar o objeto isoladamente, principalmente pelo fato de que os consórcios devem funcionar como um meio de viabilizar a participação de empresas menores naquele certame:

“Some jurisdictions allow joint bidding by firms in the same market only if it is costly to make a bid or the contract would require a certain size. In these circumstances, joint bidding is a way to enable smaller firms to participate in larger tenders, from which they would otherwise be excluded. It is not always obvious, however, that small firms working together would really have the organisational structure to perform the work a large firm can. If they do not, then it is not clear why joint bidding should be allowed as it increases the risk of collusion. A bidding consortium should not be considered admissible if each single firm in the consortium has the economic, financial and technical capabilities to supply the procured products” (ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). Public Procurement: The role of competition authorities in promoting competition, 2007ª, p. 9.)

Estes fatores lesivos e de potencial lesivo à concorrência, somados ao poder de mercado detido pelas Representadas e a impossibilidade de demonstração prática do racional econômico e de sua essencialidade que levou à formação do Consórcio no Pregão nº 144/2015, permitem concluir pelo objetivo de eliminar a competição entre os próprios participantes do consórcio e, ao mesmo tempo, dissuadir outras empresas de menor porte a participarem do certame.

Nesse contexto, corroboro a argumentação da Superintendência Geral em sua Nota Técnica e, considerando os fatores destacados acima de detenção de poder de mercado, ausência de justificativas concretas para o racional econômico pretendido pelas Representadas e a estrutura de incentivos anticompetitivos formada pelo Consórcio, entendo pela existência de fatores suficientes que geram um potencial lesivo à concorrência no mercado em análise e que devem ser contidos por esta autoridade.

Ocorre que para além disso, como efeito lógico, a formação do consórcio por si só gera uma estrutura de incentivos às empresas integrantes para a adoção de condutas anticompetitivas em caráter individual. Isto é, a previsão teórica apontada pela SG do vertical leveraging (§ 247), concretizou-se na prática, conforme foi investigado no âmbito deste Processo Administrativo e será detalhado na seção a seguir.

II.2. Condutas unilaterais

A Nota Técnica nº 05/2021/CGAA4/SGA1/SG/CADE delimitou a materialização das condutas unilaterais investigadas como a “restrição ao acesso de infraestrutura de rede terrestre por meio da discriminação injustificada de preços e/ou negativa de contratar no âmbito das negociações para composição da proposta da BT para o Pregão Eletrônico nº 144/2015 dos Correios”.

A investigação foi calcada, portanto, na investigação das seguintes condutas em relação às seguintes empresas:

i. Claro: Recusa de contratar;

ii. Telefônica: Recusa de contratar e discriminação de preços; e

iii. Oi: Discriminação de preços.

Ainda que se trate de condutas realizadas a nível individual, por se tratarem de condutas realizadas e possibilitadas em decorrência da lógica da atuação das empresas em conjunto, é preciso seguir o racional de verificação de (i) aferição do poder de mercado de cada uma das empresas; (ii) presença de eventuais justificativas econômicas para as condutas praticadas; e (iii) presença do dano ou, ao menos, da potencialidade do dano à economia e ao mercado afetado pela conduta, conforme realizado pela Superintendência-Geral no tópico 2.5. de sua Nota Técnica nº 5/2021.

Não sendo minha pretensão exaurir a análise, que já foi devidamente realizada pela Superintendência-Geral, colaciono na tabela a seguir os pontos argumentativos existentes em relação a cada uma das empresas e das condutas que lhes foram imputadas (já partindo do entendimento pela detenção de poder de mercado por parte das três Representadas, conforme demonstrado pela SG em sua Nota Técnica e comentado ao longo do meu voto) para, ao final, verificar se as práticas foram ou não prejudiciais à concorrência.

 

 

 

 

As Representadas trouxeram aos autos, ainda, Pareceres Técnicos de especialistas (Cleveland Prates e LCA Consultores, SEI 0420254), além de defenderam em suas manifestações que as condutas praticadas individualmente não configuravam ilícitos concorrenciais. Essas considerações por cada empresa, em breve síntese, podem ser verificadas a seguir:

i. Claro (Manifestação SEI 0420254):

Defendeu que não haveria indícios que demonstrassem a dita recusa de contratar em relação à BT, afirmando que houve uma alteração no pedido de proposta por parte da BT, que a Claro não teria a obrigação de fornecer MPLS para a BT, que a BT é atualmente cliente da Claro, o que corrobora a inexistência de recusa de contratação, que o tempo de resposta dos pedidos de proposta é relativo pois depende do objeto.

Ainda, defendeu que não teriam tido prejuízos à BT em decorrência da suposta recusa de contratar, considerando que a BT teria condições de prestar MPLS sozinha, e que o pedido de cotação para MPLS com prazo demasiadamente curto seria descuidado, considerando a complexidade de elaboração das propostas. Por fim, alegou que a configuração do edital não poderia ser atribuída à empresa participante do certame, e que a Claro teria ajuizado ações pleiteando o loteamento de objetos de editais de licitação.

 

ii. Telefônica (Manifestação SEI 0952222):

Em relação à discriminação de preços, defendeu que a acusação de discriminação e preços não se sustentaria principalmente porque (i) a Rede TEF não era essencial, existiam diversos fornecedores alternativos para a BT e ela era uma compradora experiente e monitorava o mercado constantemente; (ii) o serviço BT e Correios não é comparável, uma vez que o atendimento à BT e aos Correios era muito diferente; e (iii) a precificação para a BT seguiu um racional econômico específico que levava em conta os custos diferenciados e assimetria de informação.

 

iii. Oi (Manifestação SEI 1015707):

Argumentou que a proposta de EILD formulada à BT estaria integralmente alinhada às ORPAs da Oi homologadas na ANATEL e que a proposta de MPLS da Oi foi razoável e favorável à BT, compatíveis com as práticas de mercado. No que diz respeito às justificativas objetivas para as diferenças entre os preços ofertados, a Oi afirmou que a diferença de preços ofertada para a BT individualmente e pelo Consórcio aos Correios se deve à distinção entre as demandas deste (varejo) e da BT (atacado), como o volume demandado dos circuitos de rede, as localidades onde os serviços seriam prestados, a rede utilizada pela Oi para cada serviço e os limites de disponibilidade de rede da Oi e do Consórcio.

Ainda, alegou que as áreas de varejo e atacado da Oi são incomunicáveis e estruturalmente separadas na empresa, que a resposta ao pedido de cotação do serviço se deu com prazo demasiadamente curto, e que haveria ausência de demonstração dos efeitos negativos à capacidade da BT de disputar o Pregão.

Dos pontos colacionados na tabela acima e da própria análise realizada pela SG em sua Nota Técnica verifica-se, contudo, que todas essas alegações das Representadas caem por terra ao se confrontar com as informações constantes nos autos, com os dados fornecidos pelos agentes de mercado e pela própria ausência de racionalidade das condutas (cujo racional teórico não foi confirmado na prática, frise-se).

Nesse sentido, em virtude da economia processual, destaco os principais pontos trazidos pela SG comprovando a existência das condutas unilaterais.

Em relação à Claro, o Capítulo 3.5.2.1 apresenta uma linha do tempo dos acontecimentos no tocante ao pedido de orçamento da BT (orçamento para MPLS e EILD), comprovando a não resposta e a ausência de justificativa da Claro para o seu não envio de proposta, ainda que preliminar, da cotação de 3.399 pontos de acesso para MPLS (salienta-se também que o “Quadro 3 – Comparativo para avaliar tempo de resposta à solicitação de orçamento”, elaborado pela SG, comprova que a Claro não detém razão ao argumentar que o prazo para a resposta ao orçamento da BT era muito exíguo, impossibilitando o seu cumprimento, uma vez que a Claro já apresentou propostas em um lapso temporal muito menor do que o pedido pela BT), ou seja, comprovou-se a conduta de recusa de contratar por parte da Claro.

Já em relação à Telefônica e a OI, destaco, principalmente, a Tabela 6 (Dados de Volume e Preço – Telefônica) e a Tabela 7 (Dados informados pela Oi), as quais comprovam a discriminação de preços realizadas tanto pela Telefônica quanto pela OI, dado que apresentaram um orçamento substancialmente maior à BT do que o valor ofertado aos Correios (em média, o preço do orçamento da Telefônica à BT foi  [ACESSO RESTRITO AO CADE E À TELEFÔNICA] maior do que o ofertado aos Correios, enquanto o preço do orçamento da Oi à BT foi  [ACESSO RESTRITO AO CADE E À OI] maior do que o ofertado aos Correios). Dessa forma, restou-se comprovada a conduta de discriminação de preços praticada tanto pela Telefônica quanto pela OI em face da empresa BT.

Ademais, deve-se analisar em casos como estes, que envolvem condutas concertadas e unilaterais, justamente o racional existente por trás da combinação entre estes fatores que, se averiguados isoladamente, podem levar a conclusões equivocadas.

Desta forma, o ponto focal do caso em análise é exatamente a potencialidade do dano à concorrência pelas empresas que, mediante sua atuação em Consórcio, eliminaram a concorrência entre si no mercado afetado pela licitação e, por consequência, qualquer outro potencial competidor (considerando que as três empresas eram detentoras de poder de mercado). A partir desta circunstância, as Representadas obtiveram incentivos para a recusa de contratar pelo fornecimento de acesso aos insumos e a discriminação de preços com as demais empresas do mercado, a ensejar a atuação desta autarquia para impedir que novas circunstâncias como essa em apuração se repitam e prejudiquem sobremaneira o mercado afetado.

Como se verifica da leitura das informações colacionadas na tabela acima, a única conduta unilateral perpetrada pelas empresas que foi de fato justificada foi a de recusa de contratar imputada à Telefônica. Quanto às demais, sua existência foi constatada e reconhecida pelas representadas, mas das quais não lograram êxito em justificar a atuação, que geraram potenciais danosos à concorrência e acerca dos quais não existe argumentação favorável às empresas Representadas.

Desta forma, é possível concluir pela existência, não justificativa e aferição de potencialidade danosa à concorrência das condutas de recusa de contratar à Claro e de discriminação de preço à Telefônica e Oi.

Considerando, portanto, que cumpre ao Cade evitar qualquer conduta que gere dano ou potencial de dano ao mercado e à concorrência, conforme a diretriz do art. 36, caput, da Lei nº 12.529/2011, e, tendo sido as conclusões apontadas acima as mesmas a que se chegou a Superintendência-Geral em sua análise, corroboro integralmente os pontos levantados na Nota Técnica nº 5/2021 quanto à constatação da potencialidade de dano da conduta concertada entre as empresas, em cuja lógica se inseriram as condutas unilaterais, as quais também geraram potenciais danosos à concorrência no setor de Telecomunicações nacional.

Por todo exposto ao longo do voto, entendo que se restou demonstrado às infrações da ordem econômica cometidas pelas empresas Claro S.A., Telefônica Brasil S.A. e Oi Móvel S.A., a partir da prática concertada de formação de consórcio conjuntamente com as condutas unilaterais de recusa de contratar e discriminação de preços.

Por fim, antes de passar para a parte de dosimetria da pena, destaco nesta parte do voto a essência de policy que a presente decisão será capaz de prover para o futuro.

Primeiramente, realço mais uma vez que não se está condenando o presente consórcio a partir de uma análise per se de ilicitude. O consórcio é instituto jurídico lícito, que apresenta uma imunidade antitruste dentro do controle de estrutura do Direito Concorrencial brasileiro, mas que, se comprovado o abuso de sua posição dominante, a prática de condutas capazes de fechar o mercado, assim como a prática concertada de se optar pelo acordo entre players ao invés da concorrência e competição entre eles, é totalmente capaz de ser punível pelo controle de conduta. Essa análise sempre será realizada a partir dos efeitos concorrenciais e as consequências práticas dessas condutas. Claramente que tal análise, por conter dentro dela uma prática concertada, não necessitará a apresentação por parte do Cade de efeitos em igual proporção caso tivéssemos lidando com, unicamente, um caso de condutas unilaterais, pois, conforme apontado por Paulo Burnier[12] , a presunção de licitude e ilicitude não é binária, mas sim gradual – dependendo diretamente a sua graduação a depender da conduta imputada.

Todavia, destaco, conforme já salientado no voto, o dever de cautela que empresas com elevado poder de mercado, por imposição legal, detêm ao realizar um consórcio com demais empresas também detentoras de poder de mercado. Isto é, há de se ter extrema prudência, consubstanciado no dever de diligência imposto por nossa Lei concorrencial, ao se realizar um consórcio, pois ao Cade se instituiu o dever de defesa da concorrência e a este Tribunal o zelo pela observância da Lei 12.529/11, consoante o inciso I do art. 9º. Nesse sentido, consórcios tais como o do caso concreto (um consórcio realizado entre empresas de um mercado relevante com participação conjunta, à época, de 91,84% de Market share, conforme o Tabela 2 – Participação SCM em % de acessos por tecnologia confinada – da Nota Técnica da SG) só devem ser praticados em caso de extrema essencialidade, com eficiências extraordinariamente altas e passíveis de celeremente serem comprovadas pelas partes do consórcio. Caso contrário, o estabelecimento de consórcio por players com participações de mercado altíssimas significa que o consórcio foi realizado com o objetivo primário de fechamento de mercado a players menores ao mesmo tempo que ocasiona prejuízos à concorrência.

Nesse sentido, friso que empresas com posição dominante, ao firmarem um consórcio para participarem de uma licitação ao Poder Público, devem ter extrema prudência nesse ato, tendo a absoluta certeza da essencialidade da formação do consórcio para as suas participações – e sabendo que serão capazes de provar cristalinamente ao Cade, caso seja investigada, essa essencialidade a partir das eficiências geradas pelo consórcio. Em último caso, essa essencialidade pode ser comprovada pelo fato de que, caso o consórcio entre esses players não ocorresse, a licitação seria deserta, pois, se não for, comprova-se a não essencialidade do consórcio, uma vez que um player menor foi capaz de participar e ofertar o serviço demandado pela licitação.

iii. dosimetria da pena

Pelos pontos aventados acima, as Representadas incorreram em infração à ordem econômica pela (i) conduta concertada materializada por meio do consórcio, e (ii) pelas condutas unilaterais praticadas individualmente por cada uma das empresas, mas viabilizadas porque inseridas no contexto da formação do conluio. Dessa forma, a partir de uma análise realizada pelo Princípio da Consunção, entendo que o cálculo de dosimetria da pena deverá considerar a prática concertada como parâmetro inicial, de forma que as condutas unilaterais serão inseridas no contexto da verificação de circunstâncias agravantes e atenuantes, nos termos dos artigos 37 e 45 da Lei nº 12.529/2011 e conforme disposto pelo Guia de Dosimetria de Multas de Cartel desta autarquia.

No voto-Relator, utilizou-se, como critério de dosimetria das penas, uma estimativa de vantagem auferida pelas três consorciadas com o faturamento na licitação, multiplicado por  [ACESSO RESTRITO AO CADE E ÀS REPRESENTADAS]. Aduziu a Relatora que a utilização do parâmetro da vantagem auferida para definição dos valores das sanções seria mais eficiente que a utilização de alíquota aplicada sobre o faturamento no ramo de atividade – conforme disposto no art. 37, I, da Lei 12.529/2011 -, uma vez que iria se aproximar mais à extensão da conduta.

Conforme entendimento manifestado em outra ocasião neste Plenário - quando fiz extensa digressão sobre o tema (SEI 0949481) -, volto a questionar a aplicabilidade do conceito de vantagem auferida para o cálculo de penas de multa, nos termos da lei 12.529/11.

A despeito da preferência de alguns dos julgadores deste Conselho pela utilização da vantagem auferida como base de cálculo para a imposição de multas, o que se observa na prática e ao longo do tempo é o emprego de metodologias diversas e dificilmente replicáveis de forma consistente. Desta inconsistência podem decorrer efeitos nocivos aos precedentes deste Conselho, quais sejam, maior judicialização das decisões do CADE e, no limite, maior insegurança jurídica quanto aos julgados em matéria antitruste por esta Autarquia.

O entendimento trazido por este voto foi também respaldado por decisão recente do Tribunal de Contas da União (TCU) que arquivou representação do Ministério Público junto ao órgão, questionando a base de cálculo de multas e acordos firmados por este Conselho. Prevaleceu, ao final, o entendimento jurisprudencial majoritário do CADE, no sentido de não se aplicar a vantagem auferida, malgrado as recentes decisões aplicando este conceito jurídico indeterminado.

Diante destas breves colocações, mantenho a minha divergência do voto-Relator quanto à metodologia adotada para a dosimetria das penas, retomando linha de precedentes que julgo mais robusta, baseada no emprego do faturamento bruto das representadas no último exercício anterior à instauração do processo administrativo.

A Nota Técnica da SG sugere que as sanções - tanto por condutas concertadas como também por condutas unilaterais – a serem aplicadas às Representadas deveriam ter como base de cálculo o faturamento bruto de 2016 no ramo de atividade “telecomunicações, inclusive serviços de internet” (item “112” da Resolução 3/2012). Recomenda-se, ademais, que as alíquotas a serem aplicadas sobre essa pena base sejam de  [ACESSO RESTRITO À CLARO] para a Claro, de  [ACESSO RESTRITO À TELEFÔNICA] para a Telefônica e  [ACESSO RESTRITO À OI] para a Oi.

Embora o enquadramento no item 112 do anexo Resolução 3/2012 não seja equivocado, entendo que há no caso concreto alternativa mais adequada para se delimitar o ramo de atividade afetado pelas condutas ora analisadas, uma vez que a adoção desse ramo de atividade como a base de cálculo para a multa seria capaz de ensejar em um valor de multa desproporcional às condutas praticadas pelas Representadas.

A Resolução 3/2012 do CADE permite, conforme disposto em seu art. 2-A, a adaptação do ramo de atividade às especificidades da conduta, mediante decisão fundamentada. Desta maneira, para fins de melhor adequação das sanções, buscou-se utilizar os faturamentos anuais das Representadas em licitações públicas ganhas na Administração Pública Federal, no ano de 2016 – ano anterior à instauração do Processo Administrativo, em conformidade com o disposto no art. 37, I, da Lei Concorrencial.

Com base neste entendimento, solicitei a conversão do feito em diligências para instrução complementar (Despacho Decisório 44, SEI 1045824), de modo a averiguar o faturamento das Representadas em licitações públicas da Administração Pública entre os anos de 2014 a 2019.

Desta maneira, os Ofícios enviados às Representadas (SEI 1045852, 1045858 e 1045859) solicitavam a discriminação, em formato de tabela, de todas as licitações públicas em que as empresas se sagraram vencedoras, individualmente ou em conjunto com outras empresas, no âmbito da Administração Pública Federal, no referido espaço temporal (2014-2019).

Ressalve-se o caso da Representada Telefônica, que,  [ACESSO RESTRITO AO CADE E À TELEFÔNICA], apresentou apenas informações posteriores a 2017. Assim, não foi possível identificar o faturamento desta Representada no sub-ramo em questão para o ano de 2016.

Diante deste fato, entende-se pela condenação da empresa sujeita a pena do art. 37, II, da Lei 12.529/2011, que dispõe que, não sendo possível utilizar-se o critério do faturamento bruto, a multa será estipulada entre R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais).

Assim, para as representadas Claro e Oi, serão utilizados os valores referentes ao faturamento bruto do ano de 2016 em licitações públicas no âmbito da Administração Pública Federal. Já para a representada Telefônica, em razão da impossibilidade de aferição do faturamento no sub-ramo no ano de 2017, será utilizada, como base de cálculo, uma proxy da média do faturamento obtido pela empresa entre os anos de 2017-2021 nas licitações ganhas no âmbito da Administração Pública Federal.

Logo, a base de cálculo para a Telefônica será de  [ACESSO RESTRITO AO CADE E TELEFÔNICA][13]  , correspondente à média dos faturamentos auferidos no sub-ramo de 2017 à 2021, enquanto a base de cálculo para a Claro será de [14] [ACESSO RESTRITO À CLARO] e para a Oi será de [15]  [ACESSO RESTRITO À OI] (valores esses todos já atualizados pela SELIC acumulada até a data do julgamento conforme os valores presentes no site da Receita Federal).

Partindo para a análise das condições agravantes e atenuantes previstas no artigo 45 da Lei 12.529/11, em virtude do caráter concertado da infração, qual seja, a formação do consórcio para a participação da licitação, torna-se evidente que o raciocínio aplicado às representadas conterá muitas similitudes. Todavia, há algumas distinções nas condutas das Representadas que merecem a sua devida individualização. Dessa forma, passo, primeiramente, a tratar da representada Claro, conforme se segue. 

Gravidade da infração: julgo a gravidade das condutas como alta, por se tratar não somente de conduta unilateral praticada, mas também de conduta concertada, buscando burlar a concorrência. Nesse sentido, destaca-se que a representada Claro foi a única que ficou comprovada a prática da conduta unilateral de recusa de contratar.

Boa-fé do infrator: Tendo em vista a ausência de documentos relevantes e detalhamentos solicitados pela SG, considero que as justificativas das partes Representadas não afastam o ilícito antitruste, servindo como atenuante.

Vantagem auferida ou pretendida pelo infrator: A conduta comercial concertada materializada pela formação de consórcio entre as Representadas feriu a livre concorrência entre si e reduziu a pressão competitiva do mercado nas disputas de licitações públicas, causando prejuízos ao erário e a toda a sociedade.

Consumação ou não da infração: A infração foi consumada com o acordo entre os Representados e a não apresentação de proposta requisitada pela BT.

Grau de lesão, ou perigo de lesão, à livre concorrência, à economia nacional, aos consumidores, ou a terceiros: Julgo as condutas praticadas como altamente lesivas ao ambiente concorrencial, ferindo a livre concorrência, a economia nacional, os consumidores e terceiros. Efeitos econômicos negativos produzidos no mercado: Embora de difícil mensuração, é possível afirmar que a conduta prejudicou a livre concorrência, permitindo às Representadas manter seu poder de mercado, além de ter causado prejuízos à Administração Pública.

Situação econômica do infrator: A Representada Claro não alegou dificuldade econômica.

Reincidência: Não há reincidência. Não se altera o percentual de multa por esta razão.

Desse modo, por todo exposto,  [ACESSO RESTRITO À CLARO].

Passo a análise da Representada Oi:

Gravidade da infração: julgo a gravidade das condutas como alta, por se tratar não somente de conduta unilateral praticada, mas também de conduta concertada, buscando burlar a concorrência e, em se tratando da conduta unilateral, praticou a conduta de discriminação de preços.

Boa-fé do infrator: Tendo em vista a ausência de documentos relevantes e detalhamentos solicitados pela SG, considero que as justificativas das partes Representadas não afastam o ilícito antitruste, servindo como atenuante.

Vantagem auferida ou pretendida pelo infrator: A conduta comercial concertada materializada pela formação de consórcio entre as Representadas feriu a livre concorrência entre si e reduziu a pressão competitiva do mercado nas disputas de licitações públicas, causando prejuízos ao erário e a toda a sociedade.

Consumação ou não da infração: A infração foi consumada com o acordo entre os Representados e a discriminação de preços ao se comparar o valor do orçamento apresentado à BT e o valor ofertado pela prestação do serviço diretamente aos Correios.

Grau de lesão, ou perigo de lesão, à livre concorrência, à economia nacional, aos consumidores, ou a terceiros: Julgo as condutas praticadas como altamente lesivas ao ambiente concorrencial, ferindo a livre concorrência, a economia nacional, os consumidores e terceiros.

Efeitos econômicos negativos produzidos no mercado: Embora de difícil mensuração, é possível afirmar que a conduta prejudicou a livre concorrência, permitindo às Representadas manter seu poder de mercado, além de ter causado prejuízos à Administração Pública.

Situação econômica do infrator: A representada Oi se encontra em situação financeira desfavorável, atualmente em processo de recuperação judicial (Processo nº 0203711- 65.2016.8.19.0001, 7ª Vara Empresarial, RJ).

Reincidência: Não há reincidência. Não se altera o percentual de multa por esta razão.

Desse modo, por todo exposto,  [ACESSO RESTRITO À OI].

Por fim, trato da representada Telefônica.

Gravidade da infração: julgo a gravidade das condutas como alta, por se tratar não somente de conduta unilateral praticada, mas também de conduta concertada, buscando burlar a concorrência e, em se tratando da conduta unilateral, praticou a conduta de discriminação de preços.

Boa-fé do infrator: Tendo em vista a ausência de documentos relevantes e detalhamentos solicitados pela SG, considero que as justificativas das partes Representadas não afastam o ilícito antitruste, servindo como atenuante.

Vantagem auferida ou pretendida pelo infrator: A conduta comercial concertada materializada pela formação de consórcio entre as Representadas feriu a livre concorrência entre si e reduziu a pressão competitiva do mercado nas disputas de licitações públicas, causando prejuízos ao erário e a toda a sociedade.

Consumação ou não da infração: A infração foi consumada com o acordo entre os Representados e a discriminação de preços ao se comparar o valor do orçamento apresentado à BT e o valor ofertado pela prestação do serviço diretamente aos Correios.

Grau de lesão, ou perigo de lesão, à livre concorrência, à economia nacional, aos consumidores, ou a terceiros: Julgo as condutas praticadas como altamente lesivas ao ambiente concorrencial, ferindo a livre concorrência, a economia nacional, os consumidores e terceiros.

Efeitos econômicos negativos produzidos no mercado: Embora de difícil mensuração, é possível afirmar que a conduta prejudicou a livre concorrência, permitindo às Representadas manter seu poder de mercado, além de ter causado prejuízos à Administração Pública.

Situação econômica do infrator: A Representada Telefônica não alegou dificuldade econômica.

Reincidência: Não há reincidência. Não se altera o percentual de multa por esta razão.

Desse modo, por todo exposto,  [ACESSO RESTRITO À TELEFÔNICA].

Concluo, a partir da análise empreendida no bojo deste voto, que se aplicam as seguintes sanções pecuniárias às representadas:

À representada Claro, aplica-se a alíquota de [ACESSO RESTRITO AO CADE E À CLARO], resultando em multa de R$ 30.938.311,76.

À representada Oi, aplica-se a alíquota de  [ACESSO RESTRITO AO CADE E À OI], resultando em multa de R$ 53.658.111,10.

À representada Telefônica, aplica-se a alíquota de  [ACESSO RESTRITO AO CADE E À TELEFÔNICA], resultando em multa de R$ 28.393.925,86.

iv. conclusão

Ante o exposto alhures, concluo que a instrução processual foi suficiente para demonstrar a ausência de justificativas econômicas das Representadas para a formação do Consórcio em licitação e os incentivos às práticas das condutas unilaterais de recusa de contratar e discriminação de preços, incorrendo as Representadas em infrações à ordem econômica objeto de punição pela autoridade de defesa da concorrência. Assim, corroboro o entendimento esposado pela Superintendência-Geral em sua Nota Técnica nº 5/2021/CGAA4/SGA1/SG/CADE, assim como pela Procuradoria Federal Especializada junto ao Cade em seu Parecer Jurídico nº 5/2021/CGEP/PFE-CADE-CADE/PGF/AGU, pelo Ministério Público Federal junto ao Cade em seu Parecer nº 5/2021/WA/MPF/CADE e acompanho o entendimento da Conselheira Relatora pela condenação das representadas.

DISPOSITIVO

Diante do exposto, voto pela condenação das Representadas Claro, Telefônica e Oi pela adoção de condutas concertadas e unilaterais anticompetitivas que resultaram nas infrações à ordem econômica previstas no art.36, incisos I, II e IV, combinados com o seu § 3º e incisos I, II, III, IV, V, X e XI, da Lei no 12.529/2011.

As seguintes multas devem ser pagas no prazo de 30 dias, a contar da publicação decisão proferida por este Tribunal Administrativo, sob pena de multa no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por dia de atraso:

1- Claro S.A. Valor da multa de R$ 30.938.311,76.

2- Oi Móvel S.A. Valor da multa de R$ 53.658.111,10.

3- Telefônica Brasil S.A. Valor da multa de R$ 28.393.925,86.

Adiro a posição da relatora expedição de ofício com cópia da decisão à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos para que tome ciência e adote as providências que julgar cabíveis, bem como a ampla divulgação da decisão, com sua remessa a potenciais interessados para que, querendo, exerçam o direito de reparação a que, eventualmente, tenham direito.

É o voto.

____________________________

[1] Art. 33. Quando permitida na licitação a participação de empresas em consórcio, observar-se-ão as seguintes normas: I - comprovação do compromisso público ou particular de constituição de consórcio, subscrito pelos consorciados; II - indicação da empresa responsável pelo consórcio que deverá atender às condições de liderança, obrigatoriamente fixadas no edital; III - apresentação dos documentos exigidos nos arts. 28 a 31 desta Lei por parte de cada consorciado, admitindo-se, para efeito de qualificação técnica, o somatório dos quantitativos de cada consorciado, e, para efeito de qualificação econômico-financeira, o somatório dos valores de cada consorciado, na proporção de sua respectiva participação, podendo a Administração estabelecer, para o consórcio, um acréscimo de até 30% (trinta por cento) dos valores exigidos para licitante individual, inexigível este acréscimo para os consórcios compostos, em sua totalidade, por micro e pequenas empresas assim definidas em lei; IV - impedimento de participação de empresa consorciada, na mesma licitação, através de mais de um consórcio ou isoladamente; V - responsabilidade solidária dos integrantes pelos atos praticados em consórcio, tanto na fase de licitação quanto na de execução do contrato. § 1 o No consórcio de empresas brasileiras e estrangeiras a liderança caberá, obrigatoriamente, à empresa brasileira, observado o disposto no inciso II deste artigo. § 2 o O licitante vencedor fica obrigado a promover, antes da celebração do contrato, a constituição e o registro do consórcio, nos termos do compromisso referido no inciso I deste artigo.

[2] Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo. § 1º O consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade. § 2º A falência de uma consorciada não se estende às demais, subsistindo o consórcio com as outras contratantes; os créditos que porventura tiver a falida serão apurados e pagos na forma prevista no contrato de consórcio. Art. 279. O consórcio será constituído mediante contrato aprovado pelo órgão da sociedade competente para autorizar a alienação de bens do ativo não circulante, do qual constarão: I - a designação do consórcio se houver; II - o empreendimento que constitua o objeto do consórcio; III - a duração, endereço e foro; IV - a definição das obrigações e responsabilidade de cada sociedade consorciada, e das prestações específicas; V - normas sobre recebimento de receitas e partilha de resultados; VI - normas sobre administração do consórcio, contabilização, representação das sociedades consorciadas e taxa de administração, se houver; VII - forma de deliberação sobre assuntos de interesse comum, com o número de votos que cabe a cada consorciado; VIII - contribuição de cada consorciado para as despesas comuns, se houver. Parágrafo único. O contrato de consórcio e suas alterações serão arquivados no registro do comércio do lugar da sua sede, devendo a certidão do arquivamento ser publicada.

[3] Policy Roundtable, Public Procurement, 2007. Disponível em: “https://www.oecd.org/daf/competition/cartels/39891049.pdf”. Acesso em: 12 mai. 2022.

[4] Destaco o artigo 278 e seu parágrafo 1º, os quais dispõe sobre sua definição e a não existência de personalidade jurídica do consórcio: Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo. § 1º O consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade.

[5] Guia de Combate a Cartéis em Licitação do Cade (página 51): Recomendações para desenho de editais: • Consórcios: avaliar a adoção de critérios que estimulem a competitividade, de forma a incentivar a participação de “entrantes” no mercado e evitar que tal instituto seja utilizado para “redução estratégica da demanda” (fato prejudicial para a valoração do ativo, na perspectiva do concedente).

[6] Conforme disposto no parágrafo único do art. 90 da Lei nº 12.529/2011: Art. 90. Para os efeitos do art. 88 desta Lei, realiza-se um ato de concentração quando: [...] IV – 2 (duas) ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture. Parágrafo único. Não serão considerados atos de concentração, para os efeitos do disposto no art. 88 desta Lei, os descritos no inciso IV do caput, quando destinados às licitações promovidas pela administração pública direta e indireta e aos contratos delas decorrentes.

[7] Informações extraídas da manifestação SEI nº 0173135.

[8] V. Petição SEI no 0162005, §§48, 49.

[9] As observações específicas a cada um dos demais certames licitatórios em que as Representadas participaram em consórcio estão contidas na Tabela 10 da Nota Técnica nº 5/2021 da SG (Tabela 10 – Indicação de participação consorciada das investigações em licitações de abrangência nacional).

[10] §241, Nota Técnica nº 5/2021 (SEI 0874918).

[11] Com efeito, constatou-se que as Representadas se apresentaram de maneira consorciada em ao menos quatro outras licitações públicas, de amplitude nacional e grande vulto financeiro, entre 2013 e 2016: Ministério das Comunicações (Pregão nº 24/2013 - GESAC-II); Banco do Brasil (Remus PEP – 2013/9674); Banco do Brasil (Remus Agência 2014/04792) e Ministério da Saúde (Pregão Eletrônico n° 18/2016 ).

[12] “Na prática, a distinção revela uma presunção, ainda que seja relativa na teoria, de ilicitude. Tratase, portanto, de uma escala de ilicitude que varia de acordo com o ônus da prova que pesa sobre o Estado por meio da autoridade da concorrência. Assim, as condutas anticoncorrenciais podem ter diferentes graus de presunção de ilicitude, desde sua presunção quase absoluta para casos de cartéis, até menores graus, como se verá adiante para casos de condutas unilaterais, ainda que essa dosagem possa variar de um tipo de conduta para outro” (Paulo Burnier da Silveira. Direito da Concorrência, Forense: 2021, p.65).

[13] 1- Faturamento em licitações no âmbito da Administração Pública Federal pela Telefônica em 2017:  [ACESSO RESTRITO À TELEFÔNICA]. Selic acumulada de janeiro de 2018 até a data do julgamento: 22,77%. Valor atualizado de: [ACESSO RESTRITO À TELEFÔNICA]. 2- Faturamento em licitações no âmbito da Administração Pública Federal pela Telefônica em 2018:  [ACESSO RESTRITO À TELEFÔNICA]. Selic acumulada de janeiro de 2019 até a data do julgamento: 16,57%. Valor atualizado de:  [ACESSO RESTRITO À TELEFÔNICA]. 3- Faturamento em licitações no âmbito da Administração Pública Federal pela Telefônica em 2019:  [ACESSO RESTRITO À TELEFÔNICA]. Selic acumulada de janeiro de 2020 até a data do julgamento: 10,94%. Valor atualizado de: [ACESSO RESTRITO À TELEFÔNICA]. 4- Faturamento em licitações no âmbito da Administração Pública Federal pela Telefônica em 2020:  [ACESSO RESTRITO À TELEFÔNICA]. Selic acumulada de janeiro de 2021 até a data do julgamento: 8,45%. Valor atualizado de:  [ACESSO RESTRITO À TELEFÔNICA]. 5- Faturamento em licitações no âmbito da Administração Pública Federal pela Telefônica em 2021: [ACESSO RESTRITO À TELEFÔNICA]. Selic acumulada de janeiro de 2022 até a data do julgamento: 3,52%. Valor atualizado de:  [ACESSO RESTRITO À TELEFÔNICA]. 6 – Somatório dos valores atualizados:  [ACESSO RESTRITO À TELEFÔNICA]. Média final anual obtida pela Telefônica em licitações ganhas no âmbito da Administração Pública Federal em valores atualizados entre os anos de 2017 e 2021:  [ACESSO RESTRITO À TELEFÔNICA]. 13 Faturamento em licitações no âmbito da Administração Pública Federal pela Claro:  [ACESSO RESTRITO À CLARO]. Selic acumulada de janeiro de 2017 até a data do julgamento: 31,79%. Valor atualizado de:  [ACESSO RESTRITO À CLARO]. 14 Faturamento em licitações no âmbito da Administração Pública Federal pela Oi:  [ACESSO RESTRITO À OI]. Selic acumulada de janeiro de 2017 até a data do julgamento: 31,79%. Valor atualizado de:  [ACESSO RESTRITO À OI].

[14] Faturamento em licitações no âmbito da Administração Pública Federal pela Claro:  [ACESSO RESTRITO À CLARO]. Selic acumulada de janeiro de 2017 até a data do julgamento: 31,79%. Valor atualizado de:  [ACESSO RESTRITO À CLARO].

[15] Faturamento em licitações no âmbito da Administração Pública Federal pela Oi:  [ACESSO RESTRITO À OI]. Selic acumulada de janeiro de 2017 até a data do julgamento: 31,79%. Valor atualizado de:  [ACESSO RESTRITO À OI].

ALEXANDRE CORDEIRO MACEDO

Presidente

(assinado eletronicamente)

 

 


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Documento assinado eletronicamente por Alexandre Cordeiro Macedo, Presidente, em 17/05/2022, às 20:58, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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Referência: Processo nº 08700.011835/2015-02 SEI nº 1062924