Timbre

Ministério da Justiça e Segurança Pública - MJSP

Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE

SEPN 515, Conjunto D, Lote 4, Edifício Carlos Taurisano, - Bairro Asa Norte, Brasília/DF, CEP 70770-504
Telefone: (61) 3221-8461 - www.gov.br/cade
  

Processo Administrativo nº 08700.011835/2015-02

Representante: BT Brasil Serviços de Telecomunicações Ltda.

Advogados(as): Thiago Francisco da Silva Brito e outros.

Representados(as): Claro S.A, Oi Móvel S/A, Telefônica Brasil Ltda.

Advogados(as): Barbara Rosenberg, Caio Mário Pereira Neto, Leonor Cordovil e outros.

Conselheira Relatora: Paula Farani.

VOTO VOGAL - CONSELHEIRO GUSTAVO AUGUSTO

VERSÃO PÚBLICA ÚNICA

 

 

voto

Acompanho o voto da Conselheira-Relatora quanto à condenação das três empresas ora representadas, embora entenda que algumas considerações adicionais devam ser consignadas quanto aos fundamentos da condenação. Por outro giro, acompanho a divergência em relação à dosimetria da penalidade aplicada, pelas razões que declinarei a seguir.

Em primeiro lugar, uma afirmativa deve ser feita de forma clara e cristalina: a formação de consórcios para participação em uma licitação pública é uma conduta absolutamente lícita e não pode, sob qualquer circunstância, ser equiparada a um cartel. A formação de consórcio possui expressa previsão na própria Lei do CADE, a qual inclusive dispensa o consórcio do procedimento relativo aos atos de concentração:

Art. 90. Para os efeitos do art. 88 desta Lei, realiza-se um ato de concentração quando:

[...]

IV - 2 (duas) ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture.

Parágrafo único. Não serão considerados atos de concentração, para os efeitos do disposto no art. 88 desta Lei, os descritos no inciso IV do caput , quando destinados às licitações promovidas pela administração pública direta e indireta e aos contratos delas decorrentes.

Além disso, a possibilidade jurídica de formação de consórcios entre pessoas jurídicas está expressamente prevista na Lei nº 6.404, de 1976:

Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo.

§ 1º O consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade.

O consórcio não é um tipo de sociedade ou grupo de sociedade, e sim um negócio jurídico que possui natureza estritamente contratual. Dessa forma, o consórcio não detém personalidade jurídica própria. Trata-se de um contrato que possui duas características específicas. Primeiro, demanda-se um certo grau de colaboração, ou seja, espera-se que os participantes necessariamente colaborem uns com os outros, visando a um objetivo comum. Segundo, o objeto do consórcio será a execução de algum objetivo abrangido pelo objeto social das empresas que o formam.

A autorização para que os consórcios participem de licitações consta expressamente da Lei Nacional de Licitações, Lei nº 14.133, de 2021. In verbis:

Art. 15. Salvo vedação devidamente justificada no processo licitatório, pessoa jurídica poderá participar de licitação em consórcio, observadas as seguintes normas:

I - comprovação de compromisso público ou particular de constituição de consórcio, subscrito pelos consorciados;

II - indicação da empresa líder do consórcio, que será responsável por sua representação perante a Administração;

III - admissão, para efeito de habilitação técnica, do somatório dos quantitativos de cada consorciado e, para efeito de habilitação econômico-financeira, do somatório dos valores de cada consorciado;

IV - impedimento de a empresa consorciada participar, na mesma licitação, de mais de um consórcio ou de forma isolada;

V - responsabilidade solidária dos integrantes pelos atos praticados em consórcio, tanto na fase de licitação quanto na de execução do contrato.

A doutrina pátria é sólida e cristalina no sentido da permissividade e licitude da participação de empresas em consórcios em licitações, inclusive como meio necessário para garantir a execução do contrato. Sobre este tema, destaco as lições de Egon Bockmann Moreira, ao pontuar que “há determinadas obras e serviços que exigem tal associação, a fim de minorar os custos para a Administração e possibilitar a escorreita execução do contrato num prazo adequado ao interesse público”, e complementa que “quando o consórcio se dá entre empresas de um mesmo setor econômico, pode envolver conhecimentos técnicos específicos e não compartilhados[1].

Exatamente neste contexto de viabilização de cumprimento do contrato objeto da licitação, o mesmo autor, em conjunto com Fernando Vernalha, endossa que:

“(...) produzindo-se uma licitação expressiva e exigente, a Administração deve buscar meios de mitigar a alta concentração do mercado, admitindo a participação de licitantes em regime de consórcio, tal como facultado pelo art. 33 da LGL.[2]”.

Com efeito, a formação de consórcios em licitações não só é lícita quanto, às vezes, necessária, nos casos de contratações de maior exigência técnica e ou estrutural, podendo a própria Administração Pública admitir a participação consorciada diante da complexidade do objeto da licitação.

Dito isso, não se pode confundir o consórcio com o cartel. O consórcio é um contrato, um negócio jurídico lícito, com amparo e previsão expressa no ordenamento jurídico. Além disso, a legislação vigente expressamente admite a participação de consórcios em licitações, hipótese na qual é natural e esperado que as empresas cooperem entre si para a obtenção de um interesse comum, que é o atendimento ao objeto da licitação.

Contudo, o fato de uma conduta ser lícita não quer dizer que seja possível dela abusar. Reside, aqui, a conhecida figura jurídica do abuso de direito, situação na qual uma conduta que seria, a princípio, lícita, é levada ao seu extremo, de modo a atrair a necessidade de uma censura jurídica, por vezes na forma de uma punição.

Assim, dizer que uma conduta é lícita, e que não precisa ser notificada previamente ao CADE, não significa dizer que não seja passível de ser exercida de forma abusiva, com risco à competição e à concorrência. Em segundo lugar, dizer que uma conduta é lícita, como ocorre no consórcio para licitação, não significa dizer que eventual abuso não possa ser punido.

Por sinal, são vários os exemplos internacionais de que empresas se uniram em consórcio para abusar de uma posição dominante e criar distorções nas competições. Na Itália, confira-se o caso envolvendo o Município de Milão na contratação de seguros. Segundo a investigação promovida pela Autoridade da Concorrência Italiana (ICA), verificou-se inicialmente um boicote intencional das seguradoras convidadas a apresentar uma proposta para um contrato de seguro à municipalidade. Na sequência, foi apurado que algumas das principais seguradoras se associaram em consórcio e propuseram um contrato ao Município que, diante da ausência de outros interessados, viu-se obrigado a com eles negociar. A estratégia adotada pelo consórcio, além de eliminar a rivalidade entre seus integrantes, visava dissuadir outras empresas de participar do processo competitivo.[3]

Já na França, a Autoridade de Competição identificou que um consórcio formado para concorrer a contratos de transporte público de saúde tinha como objetivo principal a prática de condutas anticoncorrenciais.  Na oportunidade, foi constatado que as seis empresas que se juntaram para a formação do consórcio tinham o intuito inequívoco de eliminar os seus concorrentes, bem como acordar os preços a serem propostos para a celebração dos contratos com os hospitais.[4]

Tenho que, em regra, o consórcio de licitação deve ser considerado como juridicamente admissível e lícito, a depender das regras específicas contidas no edital de licitação. Contudo, se o mesmo é formado por dois ou mais agentes econômicos que possuam mais do que 20% da fatia de mercado cada um (§2º do art. 36 da Lei nº 12.529, de 2011), a sinergia entre esses agentes pode ser suficiente para excluir competidores e gerar condutas anticompetitivas, como verificado nos exemplos listados na experiência internacional.

Considero que o consórcio feito entre agentes econômicos que possuam pequeno poder de mercado não gera preocupações concorrenciais e pode ser feito livremente entre esses agentes econômicos, sem maiores preocupações. Contudo, consórcios celebrados entre empresas com poder de mercado significativo devem ser realizados com a máxima cautela, exatamente para se evitar o cometimento de infrações à lei da concorrência, e apenas nos casos em que as empresas não possam competir sozinhas, questão essa que deve ser comprovada pelos participantes.

Reputo que a formação de consórcio deve levantar a cautela dos agentes econômicos essencialmente em duas situações:

Quando, em um mesmo consórcio, juntem-se dois ou mais agentes econômicos que controlem, cada um, fatia de mercado superior a 20% do mercado relevante, por fundamento no §2º do art. 36 da Lei nº 12.529, de 2011; ou

Nos casos em que o consórcio formado gere um monopólio, ou uma situação próxima a um monopólio, em relação a bens, insumos ou outros elementos essenciais à licitação.

Consórcios que contenham duas ou mais empresas com poder de mercado expressivo devem, sim, ser objeto de preocupação, devendo as empresas que formem o consórcio adotar todas as medidas cabíveis para evitar que a formação do consórcio prejudique a competição.

Cabe aqui explicar que, por NÃO ser um cartel, o consórcio para licitação não pode ser tratado como um ilícito per se. Assim, plenamente cabível se examinar a regra da razão e a racionalidade econômica da operação, como forma de se afastar uma acusação de ilícito concorrencial. Em casos como esse, é cabível se perquirir quanto à racionalidade econômica da operação, observados os ensinamentos de Paula Forgioni[5]:

(...) quando aplicada, essa regra faz com que não haja a composição do suporte fático necessário à incidência da norma que determinaria a ilicitude do ato (no caso, o art. 1º do Sherman Act). Isto é, para que seja composto o suporte fático previsto na hipótese normativa, necessário se faz que a prática em questão restrinja a concorrência de forma não razoável, sendo esse fator componente (indispensável) do mesmo suporte fático. Sem esse, o suporte fático não se completa, a incidência da norma é afastada e, por óbvio, suas consequências (a vedação, a ilicitude) não se produzem. Tem-se, então, como resultado, a licitude da prática restritiva da concorrência.

A ilicitude per se, quando aplicada, desobriga a autoridade antitruste de uma profunda análise sobre o ato praticado pelo agente e seu contexto econômico: a partir do momento em que um ato é tomado como um "ilícito per se" e considerado como restritivo da concorrência, de forma não razoável, deverá ser repudiado.

Esse foi inclusive o entendimento do Poder Judiciário da Dinamarca, que considerou que o consórcio em licitações não é uma infração per se, podendo ser admissível nos casos em que os integrantes do consórcio não possam fazer a oferta sozinhos:

The Court held that if a potential bidder has the capacity to bid for individual districts – but not for the entire contract – competition law does not prevent such bidder from entering into a consortium agreement with another entity in order to submit a joint bid for the entire tender. The court reasoned that it was not clear that a restriction of such behaviour would necessarily improve competition. In this regard, it did not make a difference that the consortium in this particular case was in fact the only bidder who had bid on the entire tender since this was an ex post assessment. The Court then held that the decisive factor for determining whether the consortium agreement infringed Article 101 TFEU and the equivalent Danish provision was whether the two consortium parties were actually unable to bid individually on the entire tender.[6]

Entendo, portanto, que nos casos em que as empresas, mesmo detentoras de significativo poder de mercado, não tenham capacidade de atender sozinhas a todo o objeto da licitação, elas podem, sim, associar-se na forma de consórcio, sem que isso caracterize uma infração à legislação concorrencial.

Contudo, mesmo nos casos em que o consórcio seja necessário e economicamente justificado, empresas que participem de um consórcio e que tenham poder de mercado, como acima já definido, devem tomar cautelas especiais para evitar que o consórcio inviabilize a participação de outros competidores. Entre tais medidas, deve a empresa:

Permitir que os demais concorrentes da licitação contratem os bens e serviços que sejam essenciais para a participação no certame, não podendo se negar a serem contratadas e fornecerem tais bens, serviços e insumos, observadas as práticas, prazos e condições usuais de mercado;

Garantir que, em caso de subcontratação de elementos essenciais, os bens e serviços contratados pelos potenciais competidores sejam negociados em valores compatíveis aos oferecidos pelo próprio consórcio no certame, restando vedada a discriminação de preços;

Abster-se de criar barreiras de entradas artificiais aos concorrentes, não podendo os competidores adotar práticas que impeçam a entrada de novos licitantes, ressalvadas apenas as restrições expressamente contidas no edital da licitação ou que decorram de previsão legal;

Fornecer tempestivamente os orçamentos relativos aos serviços e produtos que sejam solicitados pelos demais competidores, devendo avisar com transparência e devida antecedência o prazo para solicitação de tais orçamentos e as informações que devam ser apresentadas pelos competidores, devendo tais prazos e condições serem compatíveis com as suas práticas usuais de mercado; e

Adotar ativamente, com o devido zelo e prudência, as cautelas necessárias para evitar que a formação do consórcio para a licitação inviabilize a possibilidade de existência de competição no mercado.

Nos casos em que a empresa detentora de poder de mercado não possa dar garantias suficientes para a possibilidade de subcontratação de seus bens e serviços por potenciais competidores, nem tenha como garantir o acesso tempestivo e justo de outros competidores a elementos e insumos que sejam essenciais à licitação, por fatores de mercado ou por sua política de negócios, então não deve a empresa detentora de poder de mercado formar qualquer tipo de consórcio, devendo competir sozinha no certame.

Assim, em outras palavras, quem possui poder de mercado tem a obrigação de se cercar de cautelas adequadas para garantir que a sua participação em um consórcio não inviabilizará a possibilidade de competição, sendo seu o ônus da prova de que agiu com prudência e adotou todas as providências que seriam razoavelmente exigíveis para evitar danos à concorrência.

Ademais, empresas que tenham poder de mercado e tenham condições técnicas de fazer ofertas sozinhas, sem necessidade de investimentos adicionais significativos, não devem se associar em consórcio, salvo quando devidamente justificadas pela regra da razão.

No caso dos autos, acompanho a decisão deste Tribunal de punir as representadas, Claro, Telefônica e Oi. Contudo, faço-o não pela simples formação do consórcio para a participação na licitação, mas porque, ao formarem um consórcio que efetivamente controlava uma fatia de mercado elevada, deixaram de adotar as cautelas necessárias para garantir que a outra competidora, BT, tivesse possibilidade de concorrer na licitação de uma forma justa. Aqui, diante do inequívoco poder de mercado das empresas consorciadas, o ônus da prova de ter tratado o competidor de forma justa deve recair sobre o consórcio, ao qual cabe provar que agiu com zelo e prudência no atendimento das solicitações apresentadas pelo potencial competidor.

Nesse contexto, ao se negarem a contratar, ao deixarem de fornecer orçamentos de forma tempestiva e ao apresentarem preços incompatíveis com os por elas mesmo oferecidos na licitação, as representadas foram negligentes e imprudentes, deixando de adotar as cautelas e precauções que seriam esperadas por quem exerce um poder de mercado significativo.

Portanto, diante do contido no itens 306 a 408 da Nota Técnica nº 5/2021/CGAA4/SGA1/SG/CADE (SEI nº 0874908), itens 52 a 110 do Parecer Jurídico nº 5/2021/CGEP/PFE-CADE-CADE/PGF/AGU (SEI nº 0891694), itens 120 a 163 do Parecer nº 5/2021/WA/MPF/CADE (SEI nº 0940904) e itens 52 a 61 do voto-vista do Presidente Alexandre Cordeiro, entendo que restou configurada:

A prática de negativa de contratar, por parte da empresa Claro; e

A prática de preços discriminatórios, pelas empresas Telefônica e Oi.

Contudo, necessário registrar que não acolho a acusação de negativa de contratar em relação à empresa Telefônica, diante das justificativas apresentadas pela representada, como bem descrito no item 52 do voto-vista do Presidente Alexandre Cordeiro.

Quanto à dosimetria da pena, divirjo da metodologia apresentada pelo voto da Conselheira-Relatora, em relação ao seu aspecto quantitativo.

Sem dúvida alguma, a vantagem auferida é um dos fatores que devem ser levados em consideração por este Tribunal para a efetiva dosimetria da pena. Assim, ela é um dado que pode ser considerado para se aumentar, ou diminuir, a alíquota aplicável, como expressamente exposto no inciso III do art. 45 da Lei nº 12.529, de 2011.

Reputo que o art. 37 da Lei nº 12.529, de 2011, ao afirmar que a multa não deve ser inferior à vantagem auferida, apresenta um princípio elementar de Direito, que é o que o crime não pode compensar. A multa deve ser dotada de efeito dissuasório, ou seja, deve ser estabelecida em patamar suficiente a desestimular condutas futuras. Dessa forma, não pode a sanção ser tão baixa que gere ao infrator o estímulo econômico ao cometimento da infração.

Até aqui, vou com a vantagem auferida. Contudo, com a devida vênia, não acompanho a posição dos que defendem que a vantagem econômica auferida deva ser calculada como um marco matemático, a partir do qual a dosimetria da pena será estabelecida. Isso porque, por maior que seja o rigor metodológico, na maioria dos casos é inviável se estabelecer, com critérios claros e objetivos, qual teria sido a vantagem da conduta efetivamente auferida ou pretendida, diante da assimetria de informações. Sobre o tema, vale registrar a passagem do voto do Conselheiro Luiz Augusto Hoffmann nos autos do Processo Administrativo nº 08700.000777/2020-41 (SEI nº 0919389), a saber:

146. A respeito deste tema, a doutrinadora Paula Forgioni, ao debater as inovações da Lei 12.529/11, dentre as quais a modificação da forma de cálculo das multas por infração à ordem econômica, reitera que o dispositivo em tela atribui como valor mínimo a vantagem auferida, contudo pondera que é reconhecida a difícil aferição de tal estimativa, in verbis:

Modificação da forma de cálculo das multas por infração à ordem econômica: os critérios para cálculo das multas diminuíram de 1% a 30% “do valor do faturamente bruto no (...) último exercício, excluídos os impostos”, para “0,1% a 20% do valor do faturamento bruto (...) no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração”. Embora, em princípio, a penalidade pecuniária não possa ser “inferior à vantagem auferida”, sabe-se que, na maioria das infrações, sua estimativa é extremamente difícil, senão impossível. (FORGIONI, 2015, p. 124) (sem grifo no original)

147. Assim, ainda que a estimativa da vantagem auferida para a imposição de multa mostre-se razoável e proporcional aos danos causados pela conduta, bem como demonstra-se elemento desmotivante para novas condutas, tal estimativa dificilmente é ou será realizada, tendo em vista a “[...] escassez das informações disponíveis sobre o modus operandi do cartel, notadamente por se tratar de uma conduta tipicamente secreta.”

148. Segundo a doutrina, vale esclarecer que estimar não significa quantificar “[...] as ramificações de uma conduta anticompetitiva [...]”, pois quantificar consiste em “[...] cálculo que resulta em uma única resposta certa, uma resposta quantificada.” A simples estimativa “[...] se tornaria, em tese, mais factível. Porém, “[...] ser mais factível não implica a consecução da estimação das ramificações econômicas das condutas anticompetitivas.”

149. Artigo do ex-Conselheiro Mauro Grinberg também traz ponderações sobre as dificuldades em se realizar tal estimativa, afastando a aplicabilidade do critério da vantagem auferida ante a ausência de critérios objetivos previstos na norma:

(...) um sistema de porcentagem sobre vantagem auferida pode ficar mais próximo da previsibilidade e da consequente segurança jurídica ao eliminar a impropriedade do sistema vigente sem acrescentar outras impropriedades. Mas para que o sistema seja aplicado, é essencial que haja previsão em regulamento sobre o método de cálculo, com critérios objetivos que eliminem a subjetividade hoje existente. Por ora, à míngua da possível regulamentação, não há como aplicar o sistema da vantagem auferida, por mais justo que seja, e deixar de lado o sistema do faturamento.

[...]

156. Conforme se depreende desta breve digressão doutrinária e sobre o entendimento de algumas autoridades estrangeiras e da OCDE sobre a matéria, há consenso que (i) estimar os ganhos obtidos em decorrência de infração à ordem econômica é tarefa extremamente dificultosa e que (ii) ainda que a multa deva ser superior à vantagem auferida, superar tal patamar não é suficiente para satisfazer a finalidade dissuasória da sanção do ponto de vista econômico, devendo ser considerada a probabilidade de detecção e de punição.

157. Isto posto, em linha com o que dispõe a Lei no 12.529/2011, a doutrina e a comunidade jurídica internacional compartilham do entendimento que a multa deve ter como fator elementar o caráter dissuasório, o qual se relaciona, dentre outros fatores, a estabelecer multa que não compense a prática ilícita, isto é, não seja inferior à vantagem auferida pelo infrator, quando for possível a estimação de tal vantagem.

158. Como visto, contudo, algumas jurisdições estrangeiras, diferentemente do que ocorre no Brasil, aplicam multas com base em um sobrepreço predeterminado sobre o volume de negócios ou das vendas, a ser agravado ou atenuado a depender das particularidades do caso concreto, como ocorre nos EUA e na Europa.

159. Todavia, há que se ressaltar que tal metodologia tampouco está isentas de questionamentos e críticas, tendo em vista a dificuldade de se estabelecer qual é o sobrepreço adequado (e.g., 10%, 15%, 20%), não afastando o caráter discricionário e a insegurança jurídica correlatas à sanção.

160. Nesse sentido, ainda que a análise da metodologia empregada por autoridades estrangeiras seja relevante, não podem ser replicadas por este Conselho de forma automática, havendo que se ressaltar, inclusive, que a atuação do CADE deve se dar em observância ao ordenamento jurídico pátrio.

161. Não obstante tais ponderações, há que se ponderar a respeito da precisão da e efetividade da estimativa feita no caso concreto, tendo em vista os recursos necessários para fazê-lo.

Ademais, ainda no curso do raciocínio em tela, importante pontuar a decisão do Tribunal de Contas da União, registrada no Acórdão nº 589/2022, de 23 de março de 2022, a respeito do julgamento da Representação do Ministério Público junto ao TCU acerca de eventual irregularidade na atuação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em face da não adoção da estimativa da vantagem auferida como piso mínimo para a definição das multas e da contribuição pecuniária. Vejamos:

59. Apesar de toda discussão sobre a interpretação hermenêutica dos dispositivos legais, fato é que a lei, em seu dispositivo central, o art. 37, apresenta a estimativa da vantagem auferida como piso da multa a ser aplicada, seguindo a lógica de que o crime não deve compensar, teoria defendida pelo prêmio Nobel de Economia Gary Becker, em seu artigo intitulado Crimme and Punishment: an Economic Approach, que inaugurou a Teoria Econômica do Crime.

60. No entanto, o próprio legislador ao condicionar o uso da vantagem auferida como piso da sanção pecuniária à possibilidade de sua estimação, reconhece que nem sempre é possível seu cálculo, confirmando mais uma vez não se tratar de algo de fácil implementação.

61. Conforme observação do Parquet na inicial (peça 1, p. 42):

A fim de que haja transparência no processo decisório, deve restar clara nos processos de TCC a devida motivação que demonstre a impossibilidade de estimação da vantagem auferida como limite mínimo para o cálculo da contribuição pecuniária e, nos casos de sua adoção, os critérios que conduziram ao quantum fixado pela autoridade antitruste.

É dever institucional do Cade demonstrar não somente para as empresas, como também para os servidores, os advogados, os órgãos de controle e especialmente para a sociedade, a forma como chegou à conclusão de que não foi possível estimar a vantagem auferida e, se o foi, como o foi (art. 37, inciso I, da Lei 12.529/2011).

Essa exigência não é vã. É premissa necessária do respeito ao Estado Democrático de Direito, pois, mais do que natureza meramente informativa, a estimativa da vantagem auferida ostenta natureza de cunho histórico, público e de interesse geral, visto que faz um apanhado da memória institucional e se coloca como referência para novas negociações que venham a ser entabuladas.  

[...]

63. Ou seja, a Lei prevê a ocorrência de situações em que a estimativa da vantagem auferida não é possível de ser realizada, no entanto, é necessário, para maior transparência de suas decisões e, consequentemente, para a demonstração de que a lei está sendo cumprida, que o Cade mantenha em seus processos a justificativa, quando for o caso, da não utilização da vantagem auferida como parâmetro para a definição do valor da multa a ser aplicada.

64. Tendo em vista a maior possibilidade de questionamentos na esfera judicial que pode advir do cálculo realizado por meio da estimativa da vantagem auferida, conforme apontado pela OCDE (peça 27, p.195) e argumentado pela autarquia em seu documento à peça 20, não deve ser entendido por impossibilidade de cálculo daquele parâmetro somente as dificuldades de natureza operacional, mas todas aquelas relacionadas aos aspectos que podem ter efeito na segurança da aplicação das decisões sancionatórias, levando a posterior judicialização dos processos administrativos.

65. Nesse sentido, entende-se ainda maior a necessidade de constar dos autos a devida motivação da posição adotada pelo Conselho quanto a possibilidade ou não da adoção da estimativa da vantagem auferida, conferindo ao processo decisório transparência para os interessados e para a sociedade como um todo. Pois, além de se constituir evidência da instituição pública enquanto cumpridora da lei, tende a evitar suposições que alimentem questionamentos na justiça.

66. Diante todo o exposto, tendo em vista a competência desta Corte de Contas e considerando o mandamento legal sobre a estimativa da vantagem auferida com destaque à ressalva feita pelo legislador quanto à possibilidade de sua quantificação, bem como toda controvérsia sobre o assunto e as dificuldades operacionais alegadas pelo Cade, propõe-se, com fundamento no art. 250, inciso III, do RI/TCU, recomendar ao Conselho que, nos casos em que não for possível e juridicamente seguro a quantificação da vantagem auferida para fins de subsidiar a definição do valor das multas ou contribuições pecuniárias, conforme estabelecido pela Lei 12.529/2011, art. 37, inciso I, in fine, faça constar em seus processos administrativos para imposição de sanções administrativas e de Termos de Compromisso de Cessação, a devida motivação e demonstração que justifique essa posição, para que desta forma seja garantida a transparência do processo decisório aos interessados e à sociedade como um todo.

Dessa forma, filio-me aos que defendem a fixação da multa na forma da Resolução nº 3/2012-CADE, seguindo assim o raciocínio desenvolvido pelo Presidente Alexandre Cordeiro ao tratar da dosimetria da pena em seu voto-vista, em especial a descrição sobre a multa a ser imposta às representadas, tendo em vista o racional considerado para fixação da alíquota e do faturamento das empresas envolvidas.

Reputo que exigir que a investigação desdobre esforços para buscar dados precisos relativos ao quantum da vantagem econômica supostamente auferida pelas partes no curso de uma infração seria uma exigência irrazoável, que pode atrasar as investigações sem produzir uma vantagem paupável em relação à justeza da dosimetria da pena, desviando recursos humanos e técnicos que poderiam ser melhor empregados na investigação e prova do cometimento da infração em si ou na apuração de outras condutas.

Sendo assim, quanto aos aspectos quantitativos da sanção, acompanho a divergência para dizer que a multa sancionatória não deve ser apurada com base em uma estimativa matemática da vantagem auferida, razão pela qual acompanho, nesse ponto, o voto-vista do Presidente Alexandre Cordeiro.

Por fim, registro minha dissensão, pontual, quanto ao percentual de alíquota proposto pelo voto divergente para cálculo de multa em desfavor da representada Claro S.A., nos termos do voto que inaugurou a divergência. Isso porque, pelo exame do caso e por todo o arcabouço fático e probatório lastreado nos autos em apreço, estou convencido de que a penalidade aplicável à referida empresa deveria ser superior à das demais representadas. Assim entendo, considerando que, de todos os membros que compuseram o Consórcio em tela, ela seria a empresa que teria maiores condições de competir sozinha. Ademais, foi a empresa que efetivamente liderou o consórcio, com maior participação no resultado da licitação. Registrada essa pequena ressalva, aponto que, quantos aos demais aspectos quantitativos da sanção, acompanho, em linhas gerais, a divergência aberta pelo Presidente deste Tribunal Administrativo, entendendo que a dosimetria da pena deve seguir, no que viável, a metodologia contida na Resolução nº 3/2012-CADE.

Isso posto, voto no seguinte sentido:

Acompanho o voto da Conselheira-Relatora quanto à condenação das três empresas, Claro, Telefônica e Oi, não pela formação do consórcio em si, mas pela negligência e imprudência na execução do consórcio formado. Por tal razão, condeno a Claro pela negativa de contratação e a Telefônica e Oi pela discriminação de preços, diante das condutas por elas cometidas em desfavor da competidora do certame em tela, a empresa British Telecom; e

Quanto à dosimetria da pena, acompanho, em linhas gerais, a divergência inaugurada pelo Presidente Alexandre Cordeiro, entendendo que os aspectos quantitativos da dosimetria das multas devem seguir a metodologia da Resolução nº 3/2012-CADE, registrada a ressalva feita no item 37.

É como voto.

 

GUSTAVO AUGUSTO FREITAS DE LIMA

Conselheiro

(assinado eletronicamente)

 

[1] MOREIRA, Egon Bockmann. Os Consórcios Empresariais e as Licitações Públicas. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico - REDAE, Instituto de Direito Público, agosto, 2005.

[2] MOREIRA, Egon Bockmann; e VERNALHA, Fernando. Licitação Pública – A Lei Geral de Licitações e o Regime Diferenciado de Contratações, 2012, p. 119.

[3] ALBANO, Gian L.; SPAGNOLO, Giancarlo; et alRegulating Joint Bidding in Public Procurement, in Damien Geradin e J. Gregory Sidak (eds), Journal of Competition Law & Economics, pp. 335 – 360.

[4] RONZANO, Alain. Sanction: The French Competition Authority imposes a more severe sanction on a company, which had formed a consortium to bid for public health transport contracts, for refusing the settlement proposed by the French Direction Générale de la Concurrence, de la Consommation et de la Répression des Fraudes (Sannac), Concurrences N° 1-2022.

[5] FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. 3. Ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. pp. 209 e 210.

[6] KJÆR-HANSEN, Erik; e ALSING, Josephine. National and International Developments Danish Court: Consortium Agreement and Joint Bidding Permissible under Competition Law. Journal of European Competition Law & Practice, 2019.


logotipo

Documento assinado eletronicamente por Gustavo Augusto Freitas de Lima, Conselheiro, em 16/05/2022, às 14:51, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


QRCode Assinatura

A autenticidade deste documento pode ser conferida no site sei.cade.gov.br/autentica, informando o código verificador 1061104 e o código CRC 240B4F85.




Referência: Processo nº 08700.011835/2015-02 SEI nº 1061104